Rebelião em Valência termina com dois mortos e
oito detidos
Tensão nas ruas: Manifestantes montam barricada em Valência, após rebelião em um quartel: governo diz ter sufocado tentativa, mas líder do grupo nega que haja detidos / AFP PHOTO / RONALDO SCHEMIDT - RONALDO SCHEMIDT / AFP |
Uma
rebelião fracassada em um quartel na cidade de Valência — que acabou com duas
pessoas mortas e oito detidos — colocou em xeque a estabilidade dentro da Força
Armada Nacional Bolivariana (FANB) e fez com que o governo do presidente
Nicolás Maduro se pronunciasse, acusando a oposição pelo “ataque terrorista”. A
invasão aconteceu na madrugada de domingo, quando 20 homens uniformizados e
armados, liderados pelo ex-capitão Juan Caguaripano, invadiram o Forte Paramacay,
na segunda maior cidade do país, a 160 quilômetros de Caracas.
O assalto à base, a mais
importante de blindados do país, foi comandado pelo ex-capitão da Guarda
Nacional Juan Caguaripano, foragido desde 2014 e acusado de rebelião e traição.
De acordo com fontes militares, Caguaripano conseguiu convencer uma parte da
tropa a esvaziar o depósito de armas e tomar algumas zonas da instalação militar.
Ele conseguiu fugir do local, com parte das armas e munições.
Rocío
San Miguel, especialista em questões militares e diretora da ONG Controle
Cidadão, chamou o episódio de um “falso positivo”, que poderá fortalecer o
governo. Segundo ela, é provável que o movimento tenha sido detectado dias
antes pelo comando das Forças Armadas, que teria deixado prosseguir e se
preparado para reagir. Nos últimos meses, vários militares foram detidos pela
Contrainteligência Militar venezuelana por estarem envolvidos com supostos
planos de insurreição, entre eles alguns generais.
—
Chama a atenção que frente a um evento dessa natureza, em um quartel com poder
de fogo tão importante, a primeira resposta tenha sido emitida por Cabello e
não pelo alto comado militar ou inclusive pelo presidente — destacou Rocío San
Miguel ao GLOBO. — Apenas horas depois da invasão, durante a tarde, a FANB e
Maduro se pronunciaram. E quem ganha até agora é o próprio governo, que simula
ainda mais elementos para reprimir e perseguir tantos militares quanto civis.
Segundo
Rocío, as fissuras dentro das Forças Armadas estão cada dia mais expostas:
—
A situação dentro das Forças Armadas é muito complexa e o fato cria ainda mais
tensões, aliado à incerteza que se tem em relação à Constituinte, assunto
delicado na FANB — explicou San Miguel. — Até agora o alto comando continua com
Maduro, mas há vários grupos que respondem a interesses econômicos e políticos
muito variados.
Dissidentes. Grupo de militares uniformizados e armados que participaram da “Operação David” em Valência - HANDOUT / REUTERS |
Para
o general aposentado Hebert Garcia Plaza, ex-ministro de Hugo Chávez e de
Maduro, os militares se sentem “encurralados”.
—
Há muita inquietação, mas eles não podem provocar uma mudança política sem um
horizonte claro do que vem depois de Maduro — disse Plaza, exilado em Miami
desde que foi acusado de organizar um golpe contra Maduro em 2015, à AP.
OPOSIÇÃO
FALA EM CAÇA ÀS BRUXAS
Horas
depois do ataque, Diosdado Cabello, número dois do governo, confirmou a
rebelião e garantiu que o grupo fora rendido por outros membros das Forças
Armadas: “Vários terroristas detidos”, escreveu no Twitter. Mais tarde, Maduro
afirmou que as forças de segurança conseguiram render os “agressores
terroristas” e culpou a oposição, que reagiu. Júlio Borges, presidente da
Assembleia Nacional — considerada em desacato pelo governo — exigiu que Maduro
dissesse a verdade sobre o ataque.
—
Queremos saber a verdade, não nos venham com histórias da carochinha, não nos
venham com uma caça às bruxas, não venham culpar quem quer simplesmente a
vigência da democracia na Venezuela — rebateu Borges, durante um encontro com
outros opositores e ao lado da ex-procuradora-geral Luisa Ortega Díaz,
destituída no sábado.
Os
dissidentes que participaram da ação espalharam folhetos durante a madrugada
pelas ruas de Valência, reafirmando que estavam em rebelião contra o governo de
Maduro. Horas depois do ataque, Caguaripano assegurou que os objetivos da
“Operação David” tinham sido “satisfatoriamente atingidos”: “Nosso compromisso
é a favor da restituição da ordem constitucional na Venezuela e da saída
imediata do regime”.
Caguaripano
ainda garantiu que todas as armas do Forte Paramacay haviam sido levadas.
“Queremos destacar que temos o respaldo de grande parte de nossa gloriosa Força
Armada Nacional. É hora de perder o medo”, escreveu em uma série de tuítes
explicando seus objetivos e negando mortes ou detenções. “Não tivemos baixas,
ninguém foi capturado, estamos em pé de luta. A operação David ganha vida com
força.”
O
Ministério de Defesa, por sua vez, informou que invasores foram capturados na
“incursão paramilitar”, realizada por “integrantes da extrema-direita
venezuelana em conexão com governos estrangeiros”. Uma foto com os detidos,
alguns com o rosto machucado, chegou a ser divulgada pelo ministro da
Informação, Ernesto Villegas.
Em
seu programa dominical, Maduro confirmou as mortes de duas pessoas.
—
Dois foram abatidos pelo fogo leal à pátria, um está ferido. Destes dez
atacantes que ficaram nas instalações de Paramacay, nove são civis e um é um
tenente desertor há meses, que tinha dado baixa — assegurou. — Trata-se de uma
operação organizada desde Miami e da Colômbia.
O Globo
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