Jovem desapareceu em março e deixou manuscritos que
começaram a ser publicados. Obra chegou ao ranking das mais vendidas do Brasil;
G1 lista 10 'lições' do 1º volume.
Capa do livro 'TAC: Teoria da Absorção do Conhecimento', de Bruno Borges, o 'menino do Acre' (Foto: Divulgação) |
le tem aversão
a sexo, gula e crase. Faz zero questão de parecer modesto (cita a si mesmo,
inclusive). Gosta de usar termos associados a quem escreve difícil ("não
obstante", "antemão", "entrementes",
"outrossim", "amiúde"), mas não liga se a frase sai do nada
e chega a lugar nenhum. Fiel ao "espírito do tempo", arrisca até uma
mesóclise eventual. Humor? Só do tipo involuntário, e vamos encerrar a
discussão a esse respeito citando o trecho em que ele define o verbete
"ciência" – começa assim: "De acordo com a Wikipédia...".
Assinado por Bruno
"o menino do Acre" Borges, o livro "TAC: Teoria da Absorção do
Conhecimento" (Arte e Vida) tem 191 páginas nas quais o autor (desaparecido desde março)
faz grande esforço para explicar sua criação. A obra,
que saiu no final de junho, acaba de entrar no
ranking das mais vendidas do país.
Faz quatro meses que
Borges está desaparecido. Antes de sair da casa onde morava, em
Rio Branco, o rapaz deixou 14 livros escritos à mão e criptografados (ou seja,
usando um código com símbolos no lugar de letras, para cifrar a mensagem).
Parte do material estava registrada nas paredes, no teto e no chão do quarto. A
polícia trabalha com a hipótese de que o sumiço é, na verdade, marketing para promover a
obra.
Pelo que se vê
neste volume inicial, houve alguma dificuldade na hora de "traduzir"
o texto para a língua portuguesa. Exemplos: "tão pouco" no lugar de
"tampouco"; "a" no lugar de "há"; e “atoa” no
lugar de “à toa”.
Mas a ambição
do autor está mais no conteúdo do que na forma. Quer compartilhar conosco suas
técnicas – ele chama de "porta para a inteligência" e
"totalmente original". Como o conceito de conhecimento é mesmo
bastante vasto, vale recorrer a Platão, Aristóteles e Augusto Cury, todos
mencionados pelo nome.
Já no começo,
Borges avisa não estar "com a tentativa de fazer ciência, até porque nem
cientista eu sou". "Eu apenas quero mostrar, (...) essa é uma teoria
pela qual eu coloquei em prática durante anos suas funcionalidades e pude
perceber que dava certo, uma vez que foi dela que saiu tantas ideias totalmente
originais partidas de mim mesmo”.
A abordagem
pode até soar mais "científica" e "filosófica" do que
religiosa, mas o escritor garante nada ter contra a religião e reconhece sua
importância para a TAC. Reconhece que, aos 20 anos, teve "um arrebatamento
e uma experiência profundamente mística". Faz sentido: o livro é
catalogado como 1. Filosofia e Teoria da Religião 2. Religião 3. Relações
Humanas.
Imagem de Bruno Borges (Foto: Arquivo Pessoal) |
Após 4 horas de leitura, os 10 'conhecimentos' que o G1 absorveu de
'TAC':
1.
Mire-se no exemplo dos 'sábios' (cadê 'aquelas mulheres'?)
Bruno Borges
não gosta de deixar dúvidas: escreve que o título de "TAC" é formado
pelas iniciais de "Teoria da Absorção do Conhecimento" – só para o
caso de algum leitor menos perspicaz não ter notado, nunca se sabe. Mas o que
ele propõe, afinal?
Em
síntese, temos de absorver e acumular conhecimento. E que façamos isso a partir
de pessoas (só homens, nada de mulheres na lista) que ele chama de
"sábios".
E que, com esse
conhecimento, criemos algo novo. E que deixemos esse algo novo para as gerações
futuras. Há até uma fórmula, ela é assim: AB1 + CAB = ABT. Traduzindo: AB1
significa Absorção de Conhecimento Novo; CAB significa Conjunto de Conhecimento
Absorvido; e ABT significa Absorção Total.
2.
Sexo? Não, obrigado
O que têm em
comum Leonardo da Vinci, Jesus Cristo, Platão, Waldo Vieira, Chico Xavier,
Heráclito de Éfeso, Isaac Newton, Nikola Tesla e Michael Jackson? Para Bruno
Borges, o fato de serem "sábios assexuados". A qualificação é do
próprio autor e é usada em sentido positivo.
O lance é que
fazer sexo toma tempo – e um tempo precioso, que poderia ser aplicado
precisamente na busca pelo conhecimento. Escreve ele: "Embora muitos não
saibam, o tempo que perdemos pelas nossas impulsividades sexuais, impedindo-nos
de absorver conhecimentos úteis a fim de criar coisas novas, é imenso. Ora, mas
uma relação íntima por vezes não dura 30 minutos? Certo, mas aí é que entra o
fator comportamento, em outras palavras, o fim justifica o meio".
E tem ainda um
efeito colateral evidente: o bebê que resulta da reprodução – outra coisa que
consome horas.
O negócio
é o seguinte: quem faz sexo tem três preocupações – sobreviver, reproduzir e
absorver conhecimentos; quem não faz sexo tem só duas preocupações – sobreviver
e absorver conhecimento, segundo a teoria de Bruno Borges.
"Ele não
necessitará dispor de uma quantia exorbitante do seu tempo para cuidar dos seus
filhos, pois nem mesmo filhos terá." Sagaz.
3.
Não cometerás o pecado da gula (nem da carne)
Michael
Jackson, Leonardo da Vinci, Albert Einstein, Abraham Lincoln, Aristóteles,
Darwin, Isaac Newton, Pitágoras, Platão, Sócrates, Thomas Edison, Voltaire,
Gandhi, Buda, Van Gogh e Nikola Tesla... Todos "sábios
vegetarianos/veganos/crudívoros" na definição do autor de “TAC”. Ah, mas e
daí?
Daí que essa
gente toda "evitaria de comer coisas que são fonte de prazer para muitos,
e que é o maior responsável pelo vício, pela gula na comida: o apreço pela
carne e seus derivados temperados, fazendo com que os assexuados veganos
aumentem ainda sua taxa de absorção de conhecimento”.
Também
chama de "idiotice" a teoria de que "a carne ou comida queimada
foi à [crase do texto original] geradora de uma inteligência mais protuberante
do homem".
Sim, o próprio
Bruno Borges assegura que tem "uma alimentação e dieta totalmente frugívera".
E acha certo fazer longos períodos de jejum absoluto, pois isso ajudaria na
tarefa de ficar pensando melhor.
4.
Sem anabolizantes nem ‘santa erva’
Bruno
Borges é contra o uso de anabolizantes, maconha (que ele chama de "santa
erva", naquele que talvez seja o único exemplo de ironia de toda a obra),
remédios para déficit de atenção e cirurgias estéticas.
E ele consegue
esclarecer isso num único parágrafo do livro, utilizando-se de um fluxo de
pensamento e livre associação que são típicos de seu método.
A coisa é
realmente inflamada, veja você mesmo: "(...) fumar a santa erva
diariamente, impossibilitando de estudar ou trabalhar com rigor, pela dispersão
do foco, o ajuda, em algures verão o absurdo de alguns obesos não conseguirem
emagrecer, alegando que é predisposição ou problemas na tireóide, mas na
verdade só não conseguem refrear a gula, e por isso pagam para um doutor pegar
uma faca e cortar sua banha (...)".
5.
Seja rebelde, mas com disciplina e durma pouco
Bruno Borges
não só defende que adeptos da TAC sejam radicais como orgulha-se da invenção de
um neologismo: "Nós, radicalistas e adeptos do radicalismo, determinamos
que só se pode ser um membro da radicalidade (sim, este termo também
criamos)".
O autor
recomenda fortemente o "sono polifásico" (modalidade em que o sujeito
não dorme as 8 horas regulamentares, mas sim tira cochilos breves), que seria
praticado por vários de seus "sábios do coração", como Jesus e
Napoleão.
E chegamos,
então, a um outro conceito: disciplina, que sem ela ninguém alcança nada.
Rola até uma
ameaça, num raro confronto menos educado com o leitor: “caso sinta-se distraído
ou ache uma tarefa enfadonha estudá-las, o que obviamente não passa de 2
laudas, seria útil pedir-lhe somente mais um favor: cerre este livro de uma vez
e senta-te sobre o gramado, escancare a tua boca cheia de dentes e espere a
morte chegar. Talvez consigas, de praxe, observar um disco voador sobre o céu,
se tiveres sorte, caso não, apenas permaneça como está”.
Disciplina e
determinação. E o primeiro exemplo de quem sabia o que queria é Kurt Cobain, o
líder do Nirvana. Depois vêm Martin Luther King, Freud e... Hitler.
7.
Isole-se
Para a Polícia
Civil do Acre, que investigou o desaparecimento de Bruno Borges, o sumiço do
autor foi parte de um plano para garantir a divulgação da obra. A questão ainda
não está fechada, mas "TAC" dá uma pista:
Ao longo
da obra, há recorrentes lembranças de que "sábios" gostavam de
praticar o isolamento. De novo, a turma aparece: Da Vinci, Tesla, Jesus,
Newton, Einstein, Buda e... Michael Jordan (porque ele treinava sozinho). E
Raul Seixas.
No final de
maio, conversas encontradas no celular de dois amigos de Bruno Borges mostraram
a intenção deles de ficarem ricos com a divulgação dos livros criptografados,
informou o delegado responsável pela investigação. "O desaparecimento em
si vem coroar a parte da publicidade", afirmou Alcino Júnior.
Dias depois, o
delegado disse que a polícia não tinha "mais responsabilidade sobre o caso".
8.
Hitler, o 'calamitoso'
Outro que se
isolava, lembra Bruno Borges, era o Adolf Hitler. O líder nazista alemão
aparece em duas passagens de "TAC", sendo chamado de
"calamitoso" em ambas. O primeiro comentário é este: “E o calamitoso
Hitler, conseguiria ele colocar em prática todos os seus sonhos incluídos em
seu livro ‘Minha luta’, escrito quando preso, em isolamento, se ele não tivesse
feito uso de praticamente todos os itens aqui neste estudo, pelo qual não
coloquei seu nome em nenhuma categoria para não inflamar o ódio sobre leitores
que não aceitariam que ele fosse visto como sábio”.
Borges cita uma
passagem de “O carisma de Adolf Hitler”, de Laurence Rees, na qual "seus
companheiros achavam estranho que ele nunca quisesse tomar uns tragos
(veganismo, gula) ou fazer sexo com uma prostituta (assexuado), passando o
tempo livre lendo ou desenhando (absorvendo conhecimento), ou eventualmente
discursando para quem estivesse por perto sobre algum assunto de que gostasse,
estranho que parecesse não ter amigos ou familiares e, consequentemente, fosse
um homem decidido a ser só (isolamento)".
9.
Usar a TAC pode ser perigoso
Alerta: a TAC
não é só alegria, não. De acordo com o autor, "a história tem se
encarregado de demonstrar que a grande maioria destes sofriam mais que qualquer
outro ser humano na terra", não deixando de assegurar que "o sofrimento
psíquico é muito pior do que o sofrimento físico". Ele pede "cuidado,
muito cuidado" a quem tiver uma "ideia absurda" e quiser
divulgar por aí.
Na hora de
exemplificar com "praticantes da TAC" que se deram mal, recorre a
casos de gravidade muitíssimo variada: tem Jesus (“crucificado”), Giordano
Bruno (“queimado vivo”) e o coitado do Thomas Edison (“expulso do primário
porque o professor disse que ele era muito burro e tinha a cabeça oca”).
10.
'Penso, logo crio'
"O ser
humano é uma espécie curiosa", avisa Bruno Borges. Mas por quê? Porque, ao
contrário dos outros animais, "se transvia da natureza animalesca" –
muito embora muitas vezes não se dê "conta de que também é um animal nu e
cru como os demais".
O fato é que o
homem consegue efetivamente criar (teorias, livros etc.), que é "o real
propósito da inteligência humana".
"Eu
digo, diferentemente de Descartes ‘penso, logo crio’”, ousa Borges, dando cara
nova ao famoso "penso, logo existo".
Mas o autor é
meio radical aqui de novo: "preferiria eu ser qualquer outro primata a um
ignorante humano", conclui, depois de citar que os primatas sabem
"exatamente o que tem que fazer no mundo".
G1/Pop & Arte
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