Suspeita é de que eles tenham tentado forjar doença de criança de 2
meses para arrecadar dinheiro em redes sociais. Casal nega intenção. Mãe foi
flagrada por câmera de hospital; pai trabalha em farmácia e teria fornecido
medicação.
Imagem de câmera de segurança de hospital do DF do momento em que mãe teria aplicado insulina em bebê (Foto: Reprodução) |
Polícia Civil
do Distrito Federal indiciou um casal por tentativa de homicídio contra o filho
de 2 meses suspeito de praticar o crime usando injeção de insulina. Segundo as
investigações, eles tentaram forjar um quadro de hiperinsulinismo congênito –
doença que faz o pâncreas produzir o hormônio em grande quantidade – para
arrecadar dinheiro com comoção popular. Os pais do bebê negam a intenção de
matá-lo.
Dois irmãos da
criança morreram com o diagnóstico no ano passado. Na época, a família apelou
ajuda em redes sociais alegando que não recebia ajuda do Estado. O caso também
foi denunciado pelo Ministério Público. O caso corre em segredo de Justiça.
O caso foi
descoberto durante a internação do menino no Hospital Universitário de Brasília
(HUB) e foi investigado pela equipe da delegada Ana Cristina Melo Santiago. O
neném deu entrada na unidade de saúde em junho, após convulsão. Os médicos
conseguiram reverter o quadro, mas decidiram investigar o caso após os pais
relatarem ter tido mais três filhos (incluindo os dois que morreram) com a
doença.
Para os
profissionais, os resultados dos exames eram incoerentes (veja abaixo). Uma nova investigação foi
realizada e apontou que o quadro era “proposital”. Para preservar o bebê, o
Conselho Tutelar foi acionado. Além disso, o menino foi encaminhado à Unidade
de Cuidados Intermediários Neonatais (Ucin), onde o acesso da família ao neném
era limitado.
Já instalado na
Ucin, o menino apresentou novo quadro de hiperinsulinismo. De acordo com a
investigação, por volta das 18h do dia 19 de julho, a equipe de enfermagem foi
acionada pela mãe da criança para avaliação da glicemia.
O hospital
decidiu analisar as filmagens do circuito de segurança. Por volta de 17h50, a
mulher estava com o menino no colo, “em movimento que sugere a administração
exógena de substância que se acredita tratar de insulina de ação rápida, o que
justifica a alteração do quadro de hipoglicemia exposto”.
“O efeito da
insulina é diminuir as concentrações de glicose no sangue. A administração
inadequada em quem não precisa pode levar a hipoglicemias graves, crises
convulsivas, lesões irreversíveis do cérebro, comprometendo o desenvolvimento
da criança, e até óbito, caso não vista e socorrida a tempo.”
O caso foi
denunciado à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). Uma
seringa foi encontrada pela delegada dentro da roupa íntima da mãe. Em
depoimento à polícia, a mulher confessou ter injetado o medicamento no bebê
alegando que “ele estava com a glicemia muito alta”, mesmo sabendo que ele
estava sendo medicado e que a conduta dela poderia colocar a vida do filho em
risco.
Ela não quis
dizer como conseguiu insulina. Para a investigação, o pai do menino – que
trabalha há um ano como entregador de uma farmácia – forneceu o produto.
Por decisão da
Justiça, os pais não puderam mais ter contato com o bebê nem com os outros três
filhos. Os quatro foram encaminhados para um abrigo, onde estão há dois meses.
Em depoimento à polícia, o médico disse que o quadro do bebê melhorou.
“Era uma
criança irritadiça e chorosa que se transformou após o afastamento da genitora,
ficando mais tranquilo e interagindo com os cuidadores”, disse.
“Do ponto de
vista médico, ele não fez mais nenhuma crise convulsiva e nenhum episódio de
hipoglicemia, mesmo sem uso de qualquer medicação para controle do açúcar no
sangue durante os 10 dias que permaneceu afastado dos outros genitores naquele
hospital.”
Também por
decisão judicial, a outra filha do casal que tem o diagnóstico de
hiperinsulinismo congênio foi internada por dez dias para que se verificasse se
os quadros de hipoglicemia e de crises convulsivas descritos pela família eram
verdadeiros ou se também eram provocados. Os remédios usados pela menina, que tem
5 anos, foram suspensos. Desde então, ela não teve sintomas da doença. As taxas
de glicose e insulina foram normalizadas, afirma a investigação.
Segundo o
médico, a garota tem pequeno atraso no desenvolvimento neurocognitivo, que pode
ter sido provocado pelos episódios de hipoglicemia. Por causa da doença, ela
recebia o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Os pais das
crianças chegaram a ajuizar uma ação de indenização por danos materiais e
morais contra o governo do Distrito Federal por causa da falta de medicamento
para uma das crianças que morreu. O casal ganhou na primeira instância.
Como o caso foi descoberto
O garoto deu
entrada na unidade de saúde aos 50 dias de vida com uma crise convulsiva. A
glicemia capilar dele era 18 mg/dL – a referência é de 60 mg/dL a 99 mg/dL em
jejum. O quadro, considerado grave, foi revertido. Como os pais relataram que
três irmãos do bebê (incluindo os dois que morreram) tinham hipersinsulinismo
congênito, os médicos decidiram investigar se ele também apresentava a doença.
De acordo com
relatório dos profissionais, mesmo recebendo a medicação adequada, o neném
apresentou insulina > 1.000 mcUI/ml, quando a referência é 2,6 mcUI/ml a
24,9 mcUI/ml. “Valores tão elevados de insulina não são esperados para
hiperinsulinismo endógeno (quando o próprio pâncreas do indivíduo produz a
insulina), mesmo em situações em que se suspeita de hiperinsulismo congênito.”
Diante disso,
os médicos pediram novo exame (dosagem de peptídeo C). De acordo com os
profissionais, quem apresenta a doença também tem o peptídeo C elevado. O
resultado do teste, porém, foi de 0,29 ng/mL (referência 1,1 ng/mL a 4,4
ng/mL). A incompatibilidade dos dados somada ao fato de que o bebê apresentava
hipoglicemia intercalada com hiperglicemias relevantes chamou a atenção da
equipe.
“Novas
investigações foram realizadas, inclusive com a redução medicamentosa para
observação do comportamento da glicemia no paciente em comento, tendo sido
verificado um quadro ainda mais grave, com insulina marcando 6.422,3 mcUI/ml e
peptídeo C suprimido, confirmando-se, portando, o quadro de hiperinsulinismo
factício”, informou o hospital à polícia.
G1/DF
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