A região do
Marajó é a área de maior concentração dos acidentes de escalpelamento,
principalmente pelo maior fluxo de embarcações durante o segundo semestre do
ano. 'O maior número de atendimentos vem da região do Marajó, e uma pequena
parcela, do oeste do Pará. Uma das coisas que os próprios moradores nos relatam
é que os barcos do oeste em geral não usam motores com o eixo dentro do barco,
outro fator é que o número de acidentes aumenta no mês de julho e na
proximidade do círio, pois o transporte fluvial também aumenta', lembra a
enfermeira Socorro Ruivo, coordenadora do Programa de Assistência Integral às
Vítimas de Escalpelamento (Paives), da Santa Casa.
Os traumas de uma vítima de escalpelamento vão além
dos ferimentos crônicos. Muitas mulheres têm o rosto desfigurado pela violência
do acidente e dores lancinantes, e ainda precisam superar o preconceito da
sociedade em relação às marcas e cicatrizes. 'A gente tem vergonha. Não quer
que as pessoas nos vejam assim. Eu não queria nem que os meus filhos me vissem
e fiquei meses sem vê-los. Só tive coragem quando o meu mais novo, Davi Lucas,
veio me ver em dezembro. Ele perguntou por que eu tinha tirado o cabelo.
Comecei a chorar e disse que aquilo foi o acidente. Ele me abraçou e falou que
eu não deveria chorar. Aquele momento me deu força e coragem, sabe? Logo depois
peguei uma infecção e foi terrível demais. Tive que passar por mais cirurgias,
tinha medo até de sair na rua e ficar doente de novo. Depois de todo o
tratamento que recebi na Santa Casa, comecei a me sentir melhor e a me aceitar
como sou hoje', explica a pescadora Simone Brabo.
'A Simone é um dos casos mais complexos que já
atendemos. Até o momento ela já passou por dez cirurgias complexas, todas
feitas aqui na Santa Casa. Temos três cirurgiões plásticos e vários
especialistas dedicados a este tipo de tratamento, que é delicado e exige muito
da paciente. Este, na verdade, é um tratamento que dura para sempre, assim como
as cicatrizes. Elas precisam continuamente de acompanhamento. Sabendo das
dificuldades que muitas das pacientes têm em ficar na capital – já que muitas
são do interior –, temos o Espaço Acolher, onde elas podem ficar hospedadas e
receber todo amparo necessário durante este período de cuidados contínuos',
detalha Socorro ruivo.
Simone, que é mãe de quatro filhos, resistiu ao
doloroso tratamento, ganhou coragem com o abraço de Davi e hoje já é avó. Ela
sorri e ri das próprias piadas que conta para as amigas do Espaço Acolher, da
Santa Casa, e já faz planos. 'Sei que minha neta vai me conhecer assim, do
jeito que eu sou, e não vai me discriminar. A minha família me apóia e está me
esperando. Eu era pescadora e sinto falta do que fazia. Tenho vontade de voltar
para casa, comer um bom peixe, e ainda tenho que visitar as amigas que fiz
aqui'.
Assistência - O Espaço Acolher é uma casa de apoio mantida pelo
governo do Estado, na qual as pacientes podem se hospedar durante o período de
longo tratamento. No local, as mulheres recebem o apoio de profissionais de
psicologia e serviço social, além de participaram de vários cursos, como
informática. Outro grande diferencial é que existem professores da Secretaria
de Educação de Estado (Seduc), que são responsáveis por dar as aulas
necessárias para a conclusão do ensino fundamental e médio.
'Muitas pacientes se isolam, desistem de ir para
escola por vergonha ou são rejeitadas de alguma forma nos lugares onde moram.
Aqui elas recebem apoio para fortalecer a autoestima de várias maneiras – até
mesmo por meio das perucas – e ainda recebem as aulas necessárias para evitar a
evasão escolar', comenta a assistente social do Espaço Acolher, Josiane Albin.
A Santa Casa de Misericórdia e o Espaço Acolher
recebem doações de cabelo para a confecção de perucas, produzidas pela
organização não governamental (ONG) Orvam. A entidade, localizada no bairro
Utinga, recebe o material que será transformado em perucas para as mulheres que
estão cadastradas na fila de espera. 'Já atendemos 90% das 95 pessoas
cadastradas e queremos ampliar isso ainda mais. Também atendemos os pacientes
de quimioterapia do Hospital Ophyr Loyola. O importante é que, além da peruca,
damos a oportunidade dessas mulheres recuperarem a própria autoestima', explica
a presidente da ONG, Maria Cristina.
Conscientização - A Capitania dos Portos fornece a proteção de eixo
gratuitamente para as embarcações. Basta ligar para o serviço e marcar data e
horário para instalação do equipamento de metal, altamente resistente, que foi
projetado para garantir a segurança da tripulação. 'Fazemos diversas operações
na região do Marajó. Sentimos que ainda há muita resistência ao trabalho da
Marinha, pois o barqueiro imagina que vamos apreender a embarcação, quando na
verdade paramos os barcos para inspeção. Caso a embarcação não tenha o eixo,
instalamos o equipamento imediatamente. Cada cobertura de eixo tem uma
identificação que também já serve como um registro do barco e do proprietário',
explica o capitão dos Portos da Amazônia Oriental, Sérgio Ricardo Duarte.
ORM News
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