Professora Doutora, Heloísa avaliou os níveis
de concentração de mercúrio no sangue de pessoas que vivem na região de
Santarém.
Décadas após o auge da atividade
garimpeira na região do Oeste do Pará, um estudo realizado na Universidade
Federal do Oeste do Pará (Ufopa) traz à tona, novamente, o grave problema da
exposição da população ao mercúrio. Dessa vez, o foco gerador não é mais o
garimpo, durante muitos anos considerado o principal responsável pela
contaminação do meio ambiente por mercúrio. Atualmente, atividades relacionadas
ao uso do solo, como desmatamentos, queimadas e a construção de hidrelétricas,
são as que mais contribuem para a contaminação.
O mercúrio (Hg) é um metal
pesado, considerado dos mais perigosos para o meio ambiente e para a saúde
humana devido à sua alta toxicidade. Altos níveis de mercúrio no organismo
humano podem causar diferentes danos à saúde. O sistema nervoso central (SNC) é
um dos mais afetados pela presença do metal, mas fígado, rins, os sistemas
cardiovascular, gastrointestinal e imunológico também podem ser prejudicados.
Dentre os principais sintomas, estão: tremores, insônia, perda de memória,
alterações neuromusculares, dores de cabeça e déficits de desempenho em testes
de função cognitiva.
Dos efeitos causados ao SNC, um
dos mais graves é sobre mulheres grávidas e seus bebês. “Ele pode afetar
diretamente os fetos, porque atravessa a placenta. Mesmo em casos de mães que
apresentem sintomas mínimos, as crianças podem nascer com problemas
neurológicos ou motores”, ressalta a bióloga Heloísa de Moura Meneses,
responsável pelo estudo.
Em sua tese de doutorado,
defendida em 2016 no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Natureza
e Desenvolvimento (PPGSND), Heloísa avaliou os níveis de concentração de
mercúrio no sangue de pessoas que vivem na região de Santarém. Ela analisou a
exposição dessas pessoas ao metal através da ingestão de peixes contaminados
com a substância.
Diferentemente da exposição a
que estavam sujeitos os garimpeiros, chamada de ocupacional em decorrência do
ambiente de trabalho, a exposição pelo consumo de peixes é considerada
ambiental e, nesse caso, obedece ao ciclo do mercúrio na natureza. Os solos
amazônicos são naturalmente ricos em mercúrio. Através dos incêndios
florestais, por exemplo, o mercúrio é liberado na atmosfera, tornando-se disponível
para a contaminação. Com a ação do vento ou através da erosão do solo,
favorecida pelos desmatamentos, esse mercúrio contamina águas e vegetações dos
rios. Na água, sofre metilação, transformando-se em metilmercúrio, uma das
formas mais nocivas da substância, capaz de se acumular nos organismos. É dessa
forma que, através da cadeia alimentar, o metilmercúrio atinge os peixes e,
consequentemente, os seres humanos.
Metodologia – Em seu
estudo, Heloísa caracterizou o perfil epidemiológico de 144 pessoas de ambos os
sexos, com idade entre 18 e 81 anos, residentes na zona urbana de Santarém e na
comunidade ribeirinha de Tapará Grande, localizada às margens do rio Amazonas.
Escolhidas aleatoriamente, as pessoas responderam a um questionário em que
informaram seus hábitos alimentares. Além disso, foram coletadas amostras de
sangue de cada indivíduo. “Trabalhamos com a matriz sangue, que é diferente do
cabelo. O sangue dá uma noção da exposição mais recente, atual. O cabelo mostra
uma exposição de longa duração”, explica a pesquisadora.
Após a coleta, a bióloga dividiu
os participantes em dois grupos, de acordo com os hábitos de consumo de peixe.
Os que declararam comer a proteína três ou mais vezes na semana formaram o
grupo de alta frequência. Os que comiam peixe no máximo duas vezes por semana
foram incorporados ao grupo de baixa frequência. “A maior parte das pessoas se
encaixou no grupo de alta frequência, quase 78% dos entrevistados”, destaca.
Prof. Dr. Luís Reginaldo (2º à esquerda) coordena a equipe do Laboratório de Genética e Biodiversidade, onde foi desenvolvida a pesquisa. |
Resultados
da Pesquisa – Dados do estudo mostram que pessoas que informaram consumir
peixe frequentemente possuem níveis de mercúrio mais elevados que as de baixo
consumo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera exposto o indivíduo que
apresenta níveis de mercúrio no sangue acima de 10μg/L (microgramas de mercúrio
por litro de sangue). “Cerca de 65% dos participantes apresentaram níveis de
mercúrio acima de 10μg/L, ou seja, a grande maioria está exposta. O grupo de
alto consumo apresentou uma média de 30μg/L, enquanto o outro grupo apresentou,
em média, 6μg/L. É uma diferença bastante significativa”, avalia Heloísa,
destacando que houve casos de indivíduos com até 180 μg/L de mercúrio no
sangue.
Apesar de a OMS estabelecer o
limite de 10μg/L, a pesquisadora ressalta que há órgãos que recomendam níveis
bem mais baixos de mercúrio no sangue. “Na verdade, não há limite considerado
totalmente seguro para a saúde humana diante da exposição ao mercúrio. Não há
um nível exato que seja responsável pelo aparecimento de sintomas ou problemas
de saúde. Ou seja, mesmo níveis baixos podem causar danos à saúde”, enfatiza.
Os participantes da pesquisa
relataram a ocorrência de vinte sintomas relacionados à exposição por mercúrio.
Dentre os indivíduos com níveis de mercúrio acima de 10μg/L, os sintomas mais
citados foram: dores musculares e articulares, dor de cabeça, câimbras
musculares, diminuição da acuidade visual e desconforto gastrointestinal.
A professora salienta que é
importante avaliar diferentes tipos de variáveis que possam explicar as
diferenças de suscetibilidade de alguns grupos à exposição mercurial. Por isso,
o estudo levou em consideração diferentes fatores ambientais, epidemiológicos e
genéticos. Ficou evidente, por exemplo, que os homens apresentam níveis médios
de mercúrio mais alto que as mulheres (30,4μg/L e 15,6μg/L, respectivamente) e
que a presença do metal no organismo aumenta com a idade, devido ao acúmulo ao
longo dos anos.
Além de idade e sexo, Heloísa
considerou, geneticamente, as mutações num grupo de genes da família da
glutationa – genes que regulam o sistema de defesa antioxidante e os níveis de
mercúrio no organismo. A glutationa é um tripeptídeo que facilita o transporte
do metal pesado no corpo humano e ajuda a combater o estresse oxidativo. Esse
estresse resulta de um desequilíbrio entre a produção de radicais livres e a
capacidade de defesa antioxidante das nossas células. O desequilíbrio causa um
excesso de radicais livres, podendo provocar danos celulares e moleculares.
“Ele também tem sido associado ao câncer e a males como o Alzheimer e
Parkinson”, realça Heloísa.
Em seu trabalho, a pesquisadora
conseguiu identificar que a ausência de um dos genes avaliados no DNA humano
deixa os homens mais vulneráveis a altos níveis de mercúrio. “A deleção do
GSTM1 aumenta a suscetibilidade dos indivíduos masculinos a
apresentar taxas altas do metal”, evidencia.
Conclusões – Os dados
mostram que a população de Santarém está ambientalmente exposta ao mercúrio
através do consumo frequente de peixe. “Na população ribeirinha, que tem uma
dieta quase que exclusivamente baseada no peixe, já esperávamos esses
resultados. O que nos chamou a atenção foi o fato de os indivíduos da área urbana
também apresentarem níveis altos de mercúrio. Esses resultados são importantes
porque, por muito tempo, a população de Santarém deixou de ser estudada por não
ser considerada uma área sob risco da exposição mercurial”, avalia a docente.
O estudo mostra que a população
está sob o risco dos efeitos tóxicos da exposição mercurial e que essa continua
sendo uma grave questão de saúde coletiva na região. “A identificação destes
fatores permite o planejamento de ações de prevenção de doenças e de
estratégias voltadas para a promoção da saúde da população. Queremos contribuir
com informações para ações de vigilância em saúde ambiental”, analisa Heloísa,
adiantando que o trabalho foi apenas um embrião do que ainda pretende estudar.
“Essa tese me deixou com mais perguntas que respostas. A ideia é seguir
adiante, até porque é um tema muito relevante para a região”.
Professora do Bacharelado
Interdisciplinar em Saúde, vinculado ao Instituto de Saúde Coletiva (Isco),
Heloísa pretende, nas próximas etapas, trabalhar com grupos de mães e filhos,
além de determinar quais são as espécies de peixes que têm maior relação com a
exposição mercurial. “Também queremos fazer um levantamento mais específico da
saúde das pessoas, incluindo dados de análises clínicas e com a participação de
um médico ou um enfermeiro na equipe. Precisamos de um panorama mais
aprofundado acerca do estado de saúde desses indivíduos. É estudo para uma vida
inteira”, estima.
A tese de Heloísa faz parte de
um projeto interdisciplinar intitulado “Estudo integrativo da saúde ambiental e
humana diante dos efeitos nocivos da exposição ao mercúrio na região do rio
Tapajós: perfis epidemiológicos, genotóxicos e fisiomoleculares”, que contou
com financiamento da Fapespa (Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas
do Pará) e foi desenvolvido no Laboratório de Genética e Biodiversidade da
Ufopa, sob orientação do professor Dr. Luís Reginaldo Rodrigues e coorientação
da professora Dra. Delaine Sampaio. Além disso, contou com o apoio dos docentes
Dr. Ricardo Bezerra, do Laboratório de Bioprospecção e Biologia Experimental,
que ajudou com as análises mercuriais; e Dr. Anderson Meneses, do Laboratório
de Inteligência Computacional, que deu suporte na área estatística. Além deles,
colaboraram os professores Dr. Jorge Porto, do Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia (Inpa), e Dr. Carlos Passos, da Universidade de Brasília (UnB).
O Impacto / Fonte:
Ascom/Ufopa
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