O Marco Civil poderá evitar,
depois de sua aprovação pelo Senado e sanção pela presidente, decisões
inadequadas que vêm sendo tomadas por diversos tribunais ao redor do Brasil,
que tratam a internet como se fosse um meio de comunicação mais antigo, por analogia.
Às vezes, a web se comporta como jornal, como revista, como televisão, como
rádio e como telefone, mas ela não é nenhuma dessas coisas.
Já houve decisões em que a
Justiça brasileira determinou que uma rede social monitorasse as publicações de
um usuário, para impedir que ele difamasse o autor da ação. Ou que o Comitê
Gestor da Internet tirasse sites do ar, como se fosse corresponsável por aquilo
que esses sites publicam. Minha opinião sobre a necessidade do Marco Civil
mudou ao ver sentenças como essas.
O texto define os direitos dos
usuários e, dessa forma, mostra também qual é a responsabilidade de cada um por
aquilo que é feito na rede. O físico britânico Tim Berners-Lee, criador da
World Wide Web, já havia se manifestado, em mais de uma ocasião, a favor da
aprovação do projeto, colocando-o entre as legislações mais avançadas na
garantia da liberdade na rede.
O ponto central do Marco Civil,
mantido no texto aprovado, é a chamada neutralidade de rede. Por esse
princípio, as operadoras não podem dar tratamento diferente aos dados que
trafegam em sua rede, de acordo com a origem ou o tipo de serviço. Todos os
bits são iguais. Isso impede que as teles façam acordos com grandes provedores
de conteúdo, para que, por exemplo, os vídeos de um determinado parceiro tenham
qualidade melhor. Ou que elas bloqueiem serviços de mensagem via internet, que
concorrem com as tradicionais mensagens de texto do celular.
Uma mudança importante foi a
retirada da exigência da instalação de data centers no País por empresas
internacionais de internet. Era um item que não fazia parte do projeto inicial,
foi sugerido pelo governo no calor das denúncias de Edward Snowden sobre a
espionagem americana e que, além de criar dificuldades para as empresas,
principalmente as menores, não reforçava a proteção da privacidade do usuário.
Pelo contrário, criava mais um ponto de vulnerabilidade às suas informações, em
território nacional. No lugar de exigir a instalação de centros de dados
nacionais, o projeto aprovado foi mais sensato, ao definir que empresas de
internet que prestam serviço no País devem respeitar as leis brasileiras, mesmo
que suas sedes estejam em outro lugar.
As resistências ao projeto
vinham, num primeiro momento, das operadoras de telecomunicações, que achavam
que a neutralidade de rede, como estava colocada, as engessava comercialmente,
impedindo-as até de oferecer pacotes já existentes de banda larga. Depois, essa
questão se misturou à briga da presidente Dilma Rousseff com sua base, e o que
era uma discussão sobre o mercado de internet deixou de ser.
No mês que vem, será realizado
no Brasil um evento internacional que vai discutir propostas a respeito da governança
da internet. Seria uma vergonha para o governo brasileiro se ele chegasse a
esse evento sem a aprovação do Marco Civil.
* Renato Cruz é
jornalista, escreve uma coluna sobre tecnologia no jornal O Estado de S. Paulo.
Publicou os livros 'O desafio da inovação e TV digital no Brasil' (Editora
Senac São Paulo) e 'O que as empresas podem fazer pela inclusão digital'
(Ethos/CDI). É professor do Centro Universitário Senac.
Estadão
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