Esquema atinge governador Pedro Taques, ex-procurador conhecido por
prender barões do crime. Agora, ele é alvo de investigação para saber se
grampeou inúmeros adversários
O governador Pedro Taques durante entrevista, em 2015. JOSÉ MEDEIROS (GCOM/MT) |
Nos últimos meses, Mato Grosso vive uma
espécie de paranoia política. Basta um avião da Polícia Federal pousar em
Cuiabá para dezenas de autoridades, jornalistas e blogueiros locais começarem a
discutir quem será o próximo preso. Afundado em uma série de escândalos
criminosos, o mais recente deles atinge em cheio a gestão do governador Pedro Taques (PSDB) e trata de milhares de interceptações
telefônicas clandestinas. Ex-procurador conhecido por prender barões do crime,
hoje Taques é alvo de investigações para saber se ele mesmo
não seria autor de
um esquema que grampeou a cúpula de poder do Mato Grosso. A preocupação no
Estado é tamanha, que o vice-governador Carlos Fávaro (PP) temia ser um dos alvos
do esquema batizado de “grampolândia”. Fávaro contratou um hacker para
monitorar possíveis invasões aos computadores de seu gabinete. Meses depois,
descobriu que esse profissional de contra-inteligência havia sido interceptado
ilegalmente por policiais militares. Agora, suspeita-se que o próprio vice
também tenha sido grampeado. Pelos cálculos de fontes do Judiciário, o esquema
de escutas clandestinas coloca sob suspeita cerca de 70.000 interceptações
telefônicas ocorridas entre janeiro de 2014 a setembro de 2017.
Quando
foi informado, em 2015, pelo então secretário de Segurança, o promotor de
Justiça Mauro Zaque, sobre a existência da “grampolândia”, o governador Taques
decretou: “meu Governo acabou”! A constatação foi feita durante um encontro com
Zaque em outubro daquele ano. Munido de uma série de documentos, o secretário
afirmou que adversários políticos do tucano, advogados e um jornalista
eram gravados irregularmente. “Avisei o governador sobre os grampos em
duas oportunidades. Em fevereiro e em outubro de 2015, quando apresentei as
provas. Nessa segunda vez eu disse a ele: e agora ‘nhonhô’, você queria provas?
Estão aí! O que você vai fazer? Nada foi feito e eu pedi exoneração do cargo”,
explicou Zaque ao EL PAÍS. Apesar do alerta deste promotor, as apurações só
começaram de fato neste ano, depois que a seccional de Mato Grosso da Ordem dos
Advogados do Brasil apresentou ao Tribunal de Justiça quatro notícias-crime que
levantavam suspeitas sobre as irregularidades cometidas pelo governo estadual,
pelo Ministério Público e pelo Judiciário.
A
narrativa em torno dos grampos clandestinos investigados nos últimos seis meses
é típica de uma trama cinematográfica. Envolve dinheiro, poder e sexo. Até
agora, o principal suspeito de ser o mandante das interceptações é Paulo
Taques, primo do governador Pedro Taques e que foi seu secretário da Casa
Civil. Hoje, Paulo está preso juntamente com outras nove pessoas sob a suspeita
de tentar obstruir as investigações.
Antes
de ocupar um dos principais cargos na administração estadual, o primo do
governador foi o coordenador jurídico da campanha de Taques. Em Cuiabá, os
rumores são de que Paulo sempre se utilizou de esquemas de arapongagem, que ele
levou essa prática para a campanha do tucano e, posteriormente, para o seu
Governo. Algo que nega.
As
apurações mostram que Paulo pagou 50.000 reais a um policial para que ele
comprasse um equipamento de gravação de ligações telefônicas. O advogado também
seria o responsável por alugar a central da “grampolândia”, um escritório em um
prédio comercial Cuiabá de onde parte dos policiais militares faziam as
interceptações ilegais, batizadas de “barriga de aluguel”. Seus alvos eram
políticos, advogados e um jornalista. “Barriga de aluguel” é quando são
inseridos em uma investigação os nomes de suspeitos que não têm nada a ver com
o fato investigado. Um exemplo: uma pessoa é investigada por corrupção. Ao
invés de se pedir a interceptação das linhas telefônicas vinculadas apenas a
essa investigada, inclui-se no requerimento uma série de outros números que não
sejam diretamente do alvo.
O promotor Mauro Zaque, ex-secretário que denunciou 'grampolândia'. RAI REIS |
Uma das
pessoas grampeadas no esquema de barriga de aluguel foi Tatiane Sangali, uma
ex-amante do primo do governador. Ela foi grampeada em duas ocasiões. Uma
ilegal. A outra legal. Para grampeá-la legalmente, Paulo Taques entregou um
documento a delegados informando que Sangali teria o intuito de constrangê-lo e
que ela poderia dopar a ele ou o governador para fotografá-los nus com outros
homens. Ele ainda alegou aos investigadores que Sangali estava planejando se
casar com João Arcanjo Ribeiro, um famoso bicheiro mato-grossense que está
preso na Penitenciária Federal de Mossoró condenado a 82 anos de prisão por
crimes como homicídio, lavagem de dinheiro e contrabando. O casamento seria uma
maneira de forçar com que Arcanjo fosse para uma penitenciária de Cuiabá e, em
seu Estado de atuação, começasse a arquitetar o assassinato do hoje governador.
Um
dos responsáveis pela prisão de Arcanjo foi justamente Pedro Taques. Na época,
em 2003, ele era procurador da República em Cuiabá e conhecido por atuar
firmemente contra os barões do crime no Mato Grosso. Só entrou para a política
sete anos depois, quando se elegeu senador. Foi um dos precursores do movimento
que prega maior participação de juízes, promotores e procuradores na vida política
do país.
Apesar
do grampo contra Sangali, não se comprovou que ela tinha pretensões de matar o
governador. “Como havia a questão da ameaça contra o governador, durante 45
dias a Tatiane foi grampeada legalmente. Mas nada se comprovou. O que sabemos é
que, antes dessa história da ameaça, ela também foi grampeada de maneira
irregular”, afirmou o delegado Flávio Stingueta, um dos policiais que
coordenaram as apurações.
Temos de perguntar: ‘a quem interessa grampear tantos adversários políticos do governador?'
DELEGADO FLÁVIO STRINGUETA
Até o momento, o
governador aparece lateralmente na investigação. O delegado Stringueta, contudo,
diz que tudo leva a crer que Pedro Taques seria o mandante do esquema. “Temos
de perguntar: ‘a quem interessa grampear tantos adversários políticos do
governador? Fazendo uma construção ideológica chega-se à conclusão que ele é o
maior beneficiado. Mas ainda não encontramos as provas”, disse o policial.
Até agora, o
escândalo, que só foi noticiado em maio deste ano e gerou as primeiras prisões
em junho, não derrubou Taques do cargo. Mas o enfraquece ao ponto de colocar em
dúvida se ele conseguirá concluir o seu mandato, previsto para terminar em
dezembro de 2018.
Ramificações
Como parte das
gravações clandestinas eram feitas por policiais que atuavam em conjunto com o
Ministério Público, surgiu a suspeita de que promotores e até juízes poderiam
estar vinculados a essas fraudes. Até agora, não se comprovou a participação de
nenhum deles.
Além de Paulo
Taques, outras nove pessoas foram presas, incluindo a cúpula da segurança
pública do Estado. Nesse grupo estão o ex-secretário da Segurança e delegado da
Polícia Civil Rogers Jarbas, e quatro coronéis da PM: seu ex-comandante-geral Zaqueu
Barbosa, o ex-chefe da Casa Militar Evandro Lesco, o adjunto dele Ronelson
Barros e o ex-secretário de Justiça e coronel Airton Siqueira Júnior. Também
foram detidos o major Michel Ferronato, o sargento João Ricardo Soler, o cabo
Gerson Corrêa Júnior, o cabo Euclides Torezan e a mulher de Lesco, a personal
trainner Helen Christy Carvalho. No caso dela, a suspeita é de que ela ajudou o
marido a se encontrar com os demais investigados mesmo no período em que ele
estava cumprindo prisão domiciliar.
A detenção desse
grupo criminoso só foi possível por conta de uma traição. O tenente coronel
José Henrique Soares havia sido cooptado para preparar uma armadilha para o
desembargador Orlando Perri, o magistrado que julgava os casos vinculados à
“grampolândia”. Foi-lhe prometido uma promoção, caso filmasse diálogos com
Perri que pudessem comprometer o desembargador em um eventual julgamento. Uma
câmera chegou a ser instalada em sua farda. Mas Soares decidiu contar o que
sabia ao magistrado e deu embasamento jurídico para as prisões.
Agora, depois de
seis meses tramitando no Judiciário estadual, o caso chegou ao Superior
Tribunal de Justiça. No último dia 16, o ministro Mauro Campbell, avocou as
seis investigações e ainda não se decidiu sobre qual andamento dará a cada um
dos casos. Há três possibilidades. Uma, de devolver todas as investigações para
o Tribunal de Justiça. Outra, de dividir os processos entre o TJ e o STJ,
separando as condutas entre quem tem foro privilegiado (como o governador) e
quem não tem. E a última, é de coordenar sozinho as apurações, possivelmente
determinando que a Polícia Federal assuma a responsabilidade.
O populista
Enquanto assiste ao
desenrolar da maior crise de sua gestão negando qualquer envolvimento, Pedro
Taques segue uma rotina de governador populista. Criou a Caravana da
Transformação, um programa que segue por todas as regiões do Mato Grosso
levando principalmente atendimentos gratuitos na área de saúde. A estratégia é
evitar que o clima negativo notado principalmente em Cuiabá, se espalhe para o
interior. É nessa hora que Taques tira a gravata e a camisa comprida, coloca
uma camiseta polo com símbolos oficiais do Estado e tira fotos com alunos da
rede pública, índios, casais recém-casados nos mutirões populares e,
principalmente, com alguns dos pacientes beneficiados pelo projeto. Em dez
edições, cerca de 300.000 pessoas já foram atendidas. Sendo que 35.000 passaram
por cirurgias de cataratas, conforme os dados oficiais.
Procurado na semana
passada, o governador não atendeu a reportagem justamente porque estava
participando de uma dessas caravanas, na cidade de Tangará da Serra. Seu
secretário de Comunicação, Kléber Lima, negou que Taques tenha participação no
esquema da “grampolândia” e que o próprio governador determinou que as
investigações fossem encaminhadas ao Ministério Público e pela própria PM, por
meio de um inquérito policial militar. “O governador Pedro Taques reafirma que
não mandou fazer, não tinha conhecimento da existência e, assim que tomou
conhecimento, tomou os procedimentos que lhe competia”.
O secretário ainda
disse que o tema “grampolândia” não é a única pauta da gestão tucana e acaba
sendo retroalimentado pela oposição ao Governo – formada por representantes do
PT e outras legendas de esquerda, além de aliados de políticos que já estiveram
no poder e hoje são investigados por crimes, como o ex-governador Silval
Barbosa (PMDB) e o ex-presidente da Assembleia Legislativa José Riva (PP).
“Taques assume o Governo sucedendo um dos governos mais corruptos do Brasil,
que era do Silval Barbosa”, afirmou. E concluiu: “Ele não veio para o Governo
do Estado para cometer crimes. Ele só veio para combater crimes e os
criminosos. Essa marca ninguém vai tirar do Pedro Taques”.
O secretário de Comunicação, Kléber Lima. RAI REIS |
El País
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