O desaparecimento de três pessoas desde o último dia 16 de dezembro –
vistas pela última vez próximas à Terra Indígena Tenharim, no quilômetro 85 da
BR-320 (a Transamazônica), no município amazonense de Humaitá (a 600
quilômetros de Manaus) – e a falta de repasse de informações sobre as buscas
conduzidas pela Polícia Federal de Rondônia – revoltou
familiares e amigos dos desaparecidos, que pelo segundo dia consecutivo realizaram grande manifestação na cidade do interior.
Desta vez, porém, a
violência foi maior: mais de 3 mil pessoas tentavam desde o início da noite
desta quarta-feira (25) invadir a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai)
usando força bruta. A manifestação do lado de fora do órgão começou por volta
das 18h30. Um grupo de, aproximadamente, 120 policiais militares – todo o
efetivo do município, já que até quem estava de folga foi posto em prontidão –
trabalharam no local, em vão: em questão de horas, a Casa do Índio, junto com
no mínimo quatro veículos que estavam estacionados em frente à sede da Funai,
foram incendiados e completamente destruídos.
Segundo o
4° Batalhão da Polícia Militar (BPM) de Humaitá, cerca de 40 minutos depois a
Casa de Saúde do Índio, que fica ao lado do prédio da Fundação Nacional de
Saúde (Funasa) na cidade, também foi completamente engolido pelas chamas,
seguido de duas embarcações que prestavam serviços para a Funai e estavam
atracadas na orla de Humaitá. A população usa diesel e gasolina em barris
para incendiar as sedes, colocando fogo no líquido facilmente inflamável.
A luta da população é
contra os indígenas, já que eles acreditam que os desaparecidos tenham sido
sequestrados pelos índios e até mesmo mortos. “O nosso efetivo não deu conta, a
população fez os policiais militares recuarem após um longo confronto. Eram 3
mil contra 100”, conta o vereador Edvaldo França, de Humaitá, que é sargento da
Polícia Militar (PM) de licença.
De acordo com o vereador,
as bombas de efeito moral dos PMs foram poucas frente às pedras, rojões de fogos
de artifício, coquetéis molotovs e barris de combustíveis prontos para serem
incendiados dos manifestantes revoltados. “Tudo que estava na Funai (Casa do
Índio, ao lado da Funai) foi destruído numa explosão que deu pra ver de longe.
A PM perdeu o controle da situação”, relata França.
“Por um lado, entendo a população,
que está revoltada sem respostas há mais de 10 dias. Entendo também que as
autoridades de Humaitá e Apuí (local onde outro dos desaparecidos reside)
deveriam ter tomado uma providência antes de chegar nessa situação, mas o caso
- que deveria ter sido resolvido pelo Poder Público - fugiu do controle e a
cidade agora está entregue ao caos”, acrescenta o vereador.
A população teria dado, durante a manifestação
desta terça-feira (24) que fechou a orla que dá acesso a Humaitá, o prazo
até a tarde desta quarta para receberem algum posicionamento das autoridades.
Sem resposta, cumpriram o prometido e partiram para o protesto. Civis estariam
feridos por estilhaços de bombas de efeito moral, enquanto policiais estariam
também estão machucados, devido às pedras jogadas contra eles.
Comandante de Policiamento
do Interior (CPI), o tenente-coronel Marcos Brandão afirmou, antes do incêndio
na Funai, que o comandante de Humaitá já estava avaliando da situação. “Se
houver necessidade, ele vai pedir nosso reforço e vamos atendê-lo. Por
enquanto, ele não achou necessário", limitou-se a dizer. A reportagem
tentou novamente contato com Brandão após os sinistros, sem sucesso.
A Tropa de Choque da Polícia
Militar e reforços devem ser enviados ainda nesta quinta-feira
(26).
Revolta
saiu do âmbito familiar
“O caso já saiu do âmbito
familiar. Agora não são mais apenas os familiares e amigos que estão
revoltados, é toda a população”, afirma Israel Júnior, parente de Luciano
Freire, um dos desaparecidos. “Infelizmente está acontecendo o que já se
prévia: a manifestação saiu do controle”, acrescenta.
Israel conta que as pessoas
estão vendo a situação como um descaso das autoridades com a população, que
está desesperada atrás de notícias ou qualquer outro posicionamento. “Eles
desapareceram no dia 16, dois dias depois prestaram queixa e até agora ninguém
fez nada, nem sequer emitiram uma nota oficial”, diz.
A Polícia Federal (PF) de
Rondônia, que detém jurisdição da área ao invés da PF do Amazonas, chegou a ir
até os portões da reserva indígena dos Tenharim, mas não foi autorizada a
entrar para realizar as buscas. “A PF pediu que os próprios índios fizessem as
buscas, o que revoltou ainda mais a população”, diz um morador do município que
pediu para não ser identificado.
De acordo com Israel, a PF de
Rondônia afirma que, com seu efetivo de 30 pessoas, não consegue entrar na mata
da reserva – que é área federal – para realizar as buscas. “Os índios dizem que
os rapazes não estão lá mas também não permitem a entrada de ninguém. Afirmam
que só vão autorizar se for por meio da Funai ou se for uma decisão judicial
federal. Enquanto isso, a Funai continua agindo como se nada estivesse acontecendo”,
completa.
Israel pede, em nome da sua
família, que alguma resposta seja dada para tentar controlar os ânimos da
população em geral: “Se aconteceu algo, digam. Se não aconteceu, esclareçam. Se
os índios têm alguma reivindicação a fazer, que façam. Nós só não podemos ficar
sem nenhum amparo ou resposta. Um pronunciamento oficial da Polícia Federal ou
da Funai é a única coisa que as pessoas querem”.
Desaparecidos
A reserva indígena tem oito
aldeias e fica às margens da Transamazônica. Três pessoas seguiam pela estrada
de Humaitá a caminho de Apuí: Stef Pinheiro de Souza é professor da rede
pública municipal de Apuí; Aldeney Ribeiro Salvador é gerente da Eletrobrás
Amazonas Energia em Santo Antônio do Matupi (Distrito de Manicoré); e Luciano
da Conceição Ferreira Freire é representante comercial e mora em Humaitá.
A notícia foi confirmada
pela empresa Amazonas Energia, que em nota informou ter acionado todos os
órgãos governamentais como Funai, Polícia Civil de Humaitá e Polícia Federal de
Rondônia para investigar o desaparecimento do funcionário.
Segundo informações
extra-oficiais, há testemunhas que dizem terem visto cerca de 40 indígenas
empurrando um carro com as mesmas características do qual viajavam as três
pessoas, para dentro da aldeia por volta das 9h30 do dia 16 de dezembro, uma
segunda-feira.
A reportagem tentou acionar, pela segunda vez,
a PF-RO para saber como estão sendo conduzidas as investigações e se já existe
algum dado novo sobre o caso mas, devido a falta de expediente durante a véspera
e o dia de Natal, não obteve contato.
A Crítica
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