Viver na maior bacia
hidrográfica do planeta não garante aos ribeirinhos da Amazônia o acesso à
água. Fazer com que esse bem chegue às casas – especialmente no período de
seca, quando aumenta a distância até o rio – requer força nos braços, para
carregar as latas, ou dinheiro para bancar o diesel usado nos motores que
bombeiam a água para as caixas comunitárias. Apesar da proximidade com os rios,
muitos ribeirinhos têm a qualidade de vida prejudicada devido à dificuldade de
levar, a seus lares, esse recurso natural tão necessário para os afazeres
domésticos, para a saúde e para a higiene.
Dependendo
do período, a distância até o rio pode ser de quase 1 quilômetro, relatou à Agência Brasil a integrante do Grupo de
Pesquisa das Populações Ribeirinhas do Instituto Mamirauá Dávila Correa. “E
como a água é usada principalmente para tarefas domésticas, geralmente quem a
carrega são as mulheres”, acrescentou a socióloga e pesquisadora.
A
dificuldade em levar água até as casas faz com que muitos optem por se banhar
nos rios da região. Mas isso pode implicar riscos, principalmente para as
crianças. “Banho aqui é sempre no rio. Se for durante o dia, é de roupa. À
noite, pelado”, disse Tânia Maria de Sales, 34 anos. “Meu medo são os bichos.
Tem muitas cobras, jacarés e piranhas por aqui”, acrescentou a ribeirinha que
já perdeu três sobrinhos por afogamento, na comunidade Nossa Senhora da
Aparecida – localizada no Lago Catalão, a cerca de uma hora de barco de Manaus.
Quem
opta pelos motores a diesel para bombear água até as caixas comunitárias arca
também com os custos elevados. “O problema é que o diesel por aqui é muito
caro. Chega a custar R$ 4 o litro”, disse o presidente da Comunidade São
Francisco, Raimundo Ribeiro da Silva, 49 anos. “Esse preço dificulta as coisas.
O gerador fica desligado porque temos de economizar combustível. Em média, são
sete litros por dia para fazê-lo funcionar das 18h às 22h. A conta fica perto
de R$ 1 mil por mês”, acrescentou.
Sobra
então para as mulheres da comunidade que, a exemplo de Anicélia Barbosa Mendes,
21 anos, precisam de água para lavar a roupa e a louça da família. “A falta de
água tratada é o que mais prejudica a comunidade. Aqui em casa temos de ferver
a água do rio para poder bebê-la. Por isso gastamos muito dinheiro com botijão
de gás, que custa R$ 50. A gente consome um por mês. Dinheiro que
economizaríamos se tivéssemos tratamento de água.”
A
comunidade de São Francisco espera ser beneficiada por um sistema de
bombeamento de água por energia solar que já chegou a outras 15 comunidades da
região. Os sistemas foram instalados pelo Instituto Mamirauá entre 2010 e 2013.
“Desenvolvemos essa tecnologia depois de ver o quanto o acesso à água pode
melhorar a qualidade de vida dos ribeirinhos”, explicou a pesquisadora Dávila
Correa.
O
primeiro protótipo dessa tecnologia foi apresentado em 2000. “O banho nos rios
passou a ser feito com maior intimidade, dentro ou nas redondezas das casas.
Isso, além de reduzir o número de acidentes, causou impacto significativamente
positivo nas áreas sociais. Quando o sistema é implementado, as atividades
domésticas feitas na beira do rio passam para a casa, diminuindo o estresse em
toda a comunidade. Sobretudo em mulheres e crianças”, acrescentou.
O
sistema desenvolvido pelo instituto venceu, em 2012, o Projeto Finep de
Inovação na categoria Tecnologia Social. Como diminui o consumo de óleo diesel,
o equipamento é ambientalmente indicado por evitar emissões de gases para a
atmosfera. “Ele também apresenta resultados positivos para a saúde da população”,
explicou Dávila.
Foi o
que constatou a agente de Saúde Comunitária Ivone Brasil Carvalho, 28 anos, da
comunidade Vila Alencar, uma das 15 beneficiadas pelo sistema. “O sistema
ajudou muito. As mães sofriam porque na seca o rio fica bem longe. Agora, a gente
tem água em terra todos os dias. Diminuiu também, tanto em adultos quanto em
crianças, a incidência de doenças como gripe, tosse e diarreia porque a água
chega pré-filtrada nas casas”, disse a agente de saúde.
A
comunidade já fazia coleta de água de chuva, com calhas e tanques fornecidos
pelo programa Pró-Chuva. “Mas, agora temos fartura de água, a ponto de alguns
tanques virarem piscina para as crianças”, disse ela ao mostrar Wisle Santos
Castro, de 15 anos, que brincava com uma cuia em uma caixa d'água. “As famílias
nunca imaginavam poder, um dia, tomar banho em casa”, acrescentou a ribeirinha
Ednelza Martins da Silva, 42 anos.
Outra comunidade beneficiada
pelo sistema de bombeamento de água por energia solar foi Boca do Mamirauá,
onde vive a guia comunitária Francilvânia Martins de Oliveira, 24 anos.
“Melhorou muito nossa situação durante a seca. Antes, tínhamos de descer para
lavar a roupa ou pegar água, correndo sempre o risco de esbarrar com bichos.
Agora tem até máquina de lavar roupa aqui na comunidade.”
Em 2013,
o Instituto Mamirauá fez um monitoramento da qualidade da água nas 15
comunidades beneficiadas pelo sistema. “Ainda falta concluir a última
comunidade, mas a adoção do sistema certamente implica benefícios nas áreas de
saúde”, disse Dávila Correa, referindo-se ao estudo que está analisando a água
dos rios, das caixas d'água, das torneiras e dos recipientes que guardam a água
nas comunidades atendidas.
O custo
de instalação dos 15 sistemas chegou a R$ 400 mil, valor que inclui os gastos
com assistência técnica. “Nós [do Instituto Mamirauá] temos o compromisso
de instalar, a cada ano, dois sistemas nas comunidades”, informou a integrante
do Grupo de Pesquisa das Populações Ribeirinhas.
Por 11
dias, no mês de fevereiro, a equipe de reportagem da Agência
Brasil viajou
pela Amazônia para conhecer o dia a dia dessas comunidades. A vida dos
ribeirinhos também será destaque no programa Caminhos da Reportagem,
que será exibido pela TV Brasil nesta quinta-feira (17), às
22h.
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