Não basta dar o peixe ou a
vara. Também não basta ensinar a pescar. Um dos grandes desafios pelos quais
passam diversas comunidades ribeirinhas da Amazônia tem sido o de pescar de
forma sustentável. E, assim, evitar que a fartura de um ano resulte em escassez
de pescado no ano seguinte. O princípio pode ser aplicado a várias outras
atividades típicas desenvolvidas pelos ribeirinhos da Amazônia. Entre elas, o
manejo florestal – utilização racional e ambientalmente adequada dos recursos
da floresta.
“Para
que qualquer atividade seja considerada sustentável, ela precisa ser
ecologicamente correta, economicamente viável e socialmente justa”, resume o
técnico florestal do Instituto Mamirauá, Ronaldo Carneiro.
É
seguindo esse princípio que o instituto tem ajudado comunidades amazonenses da
Reserva Mamirauá, localizada a 600 km a oeste de Manaus, região do curso médio
do Rio Solimões. Com 1,124 milhão de hectares, essa é a primeira reserva de
desenvolvimento sustentável do país.
O
Instituto Mamirauá é uma organização social fomentada e supervisionada pelo
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) que atua, também,
como unidade de pesquisa.
Uma das
principais fontes de renda das comunidades da reserva é a pesca sustentável do
Pirarucu. A cada ano, são dois meses de atividade e dez meses de vigilância
contra a pesca irregular na região. Para evitar problemas, algumas regras têm
de ser seguidas. Uma delas é a contagem de peixes adultos, quando boiam na
superfície – feita por contadores capacitados e certificados pelo instituto,
antes do início da temporada de pesca.
“Já
tivemos baixas significativas da população de peixes em decorrência de o
contador ter falseado dados. No ano seguinte, com a queda no número de pescado,
a comunidade sentiu na pele o problema”, disse à Agência
Brasil Francilvânia
Martins de Oliveira, 24 anos. Segundo a ribeirinha, que tem vários pescadores
na família, a venda de peixes é o que mais movimenta a economia da comunidade
Boca do Mamirauá.
Para ter
sucesso nessa e em outras empreitadas, o instituto já promoveu mais de 120
cursos de capacitação nas comunidades da região, bem como ações nas áreas de
agricultura, abastecimento de água, gestão comunitária, turismo, manejo
florestal e pesca.
Responsável por estudos de mercado que identificam a
viabilidade no manejo florestal, o economista Leonardo Apel, integrante do
Grupo de Pesquisa e Organização Social, diz que a técnica aplicada “é eficiente
e promove a regeneração de espécies no local”. O manejo é uma atividade
econômica oposta ao desmatamento, pois não há remoção total da floresta e,
mesmo após o uso, o local manterá sua estrutura florestal.
O pesquisador explica que a
técnica de manejo desenvolvida pelo instituto e aplicada nas comunidades tem
mais de 40 anos. “Ela era adotada em empresas e agora está sendo direcionada ao
manejo comunitário. A diferença entre as aplicações está ligada à capacidade de
planejamento. No caso da extração feita pela comunidade, ela não é tão voltada
para o mercado. É de pequena escala, visando à subsistência e, só em alguns
casos, à venda.”
Segundo
Apel, a madeira extraída de forma legal atinge preços de mercado “muito mais interessantes”
do que a obtida ilegalmente. “A ilegal não tem viabilidade econômica porque o
risco de apreensão faz seu preço de mercado cair vertiginosamente. Quem faz
isso acaba tendo de pagar para trabalhar”, disse. “Por isso, acredito que o
manejo de madeira seja a melhor alternativa não só para a Amazônia, mas para o
mundo todo”, acrescentou.
O
princípio do manejo é simples: não se pode derrubar em quantidade maior do que
a capacidade de recuperação da floresta – em geral, até três espécies por
hectare na região. Responsável por capacitar as comunidades para o manejo, o
técnico florestal Elinei Castro responde, atualmente, pelo levantamento de
estoques e pelo inventário da Comunidade São Francisco, uma das áreas visitadas
pela Agência Brasil.
“As
árvores com pelo menos 1,2 metro de diâmetro já foram marcadas”, disse. “Nessa
área aqui, de 17 hectares, foram marcadas e autorizadas [a extração de] 46
delas, mas as regras permitiriam a derrubada de até 51 árvores. Em toda a
região, há 60 hectares, dos quais podem ser extraídas 180 árvores em um ciclo
de 25 anos, que é o tempo que leva para elas atingirem a fase adulta”,
explicou.
Segundo
o líder eleito pela comunidade de São Francisco, Raimundo Ribeiro da Silva, com
o manejo é possível chegar a uma renda média de R$ 300 por mês para cada
família. “Mas o dinheiro só vai para quem trabalha”, acrescentou Elinei,
enquanto acompanhava o corte de uma assacu – árvore de grande resistência e
durabilidade na água, muito usada na estrutura de casas flutuantes – com três metros
de diâmetro na base.
Sócio da
comunidade nas atividades de manejo desde 2001, Erinaldo Chagas, 32 anos, diz
ter um “sentimento controverso” ao derrubar árvores. “A gente sente tristeza.
Mas também sente alegria, porque a madeira beneficia a gente e dá o que comer
para nossas famílias. Além disso, quando se tira uma árvore de grande porte,
nós damos condições para que outras árvores surjam, com a entrada da luz que
até então estava bloqueada”, destacou.
Por 11
dias, no mês de fevereiro, a equipe de reportagem da Agência
Brasil viajou
pela Amazônia. A vida dos ribeirinhos também será destaque no programa Caminhos
da Reportagem, que será exibido pela TV
Brasil na próxima
quinta-feira (17), às 22h.
Agência Brasil
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