A
decisão do ministro Joaquim Barbosa de antecipar sua saída da presidência do
Supremo Tribunal Federal (STF) e também da Corte, prevista para o fim do ano,
foi precipitada pelas ameaças que ele vem sofrendo, especialmente por causa de
sua atuação à frente do julgamento do mensalão do PT. Aos 59 anos, Barbosa
deixará o STF no final do mês que vem. Pessoas próximas ao ministro contaram
que as ameaças e as agressões sofridas por Barbosa, pela internet e até em
locais públicos, o levaram a decidir sair antes do previsto.
— Não se surpreendam se eu largar o Supremo antes das eleições —
avisou Barbosa numa dessas conversas, informando que voltaria a dar aulas e a
fazer palestras.
Antes do julgamento do mensalão, o ministro frequentava
restaurantes e bares em Brasília e no Rio. E continuou a fazê-lo por algum
tempo. Tudo mudou nos últimos meses, especialmente após a prisão de
mensaleiros. Com a profusão de ameaças nas redes sociais, e o episódio em que
foi abordado por um grupo de militantes do PT, ao deixar um restaurante em
Brasília, Barbosa se sentiu forçado a mudar seus hábitos.
— Ele passou a evitar locais públicos por medo em relação à sua
segurança. Parou de sair — disse um amigo de Barbosa: — Agora, ele está se
sentindo aliviado. Ele estava cansado, quer viver a vida. Estava muito
patrulhado, se sentia agredido com palavras, com provocações. Me disse: “Tô
precisando viver”.
Ameaças nas redes sociais Segundo a revista “Veja”, um perfil
apócrifo no Facebook dizia que o ministro “morreria de câncer ou com um tiro na
cabeça” e que seus algozes seriam “seus senhores do novo engenho, seu capitão
do mato”. Outro perfil dizia: “Contra Joaquim Barbosa toda violência é
permitida, porque não se trata de um ser humano, mas de um monstro e de uma
aberração moral das mais pavorosas. Joaquim Barbosa deve ser morto”. A Polícia
Federal investiga a origem das ameaças. — Esse fator (as ameaças) contribuiu
para sua saída antecipada — disse outro interlocutor do ministro. Barbosa
acordou ontem decidido e, de manhã , foi dar a notícia à presidente Dilma
Rousseff, que ficou surpresa. Depois, despediu-se oficialmente dos presidentes
do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Henrique Eduardo Alves
(PMDB-RN). Como Ilimar Franco contou em seu blog, Barbosa disse a Henrique Alves
que não pretende seguir carreira política. — Política, de jeito nenhum! —
afirmou o presidente do STF. Descontraído, ainda falou sobre o seu futuro. —
Vou fazer como o Lula, vou dar palestras — disse Barbosa. Após esses encontros,
Barbosa anunciou sua aposentadoria precoce no início da sessão de ontem do
Supremo. — Tenho uma informação de ordem pessoal a trazer: decidi me afastar do
STF no final de junho. Afasto-me não apenas da presidência, mas do cargo de
ministro. Requererei o meu afastamento do serviço público após quase 41 anos.
Tive a felicidade, a satisfação e a alegria de compor esta Corte no que é,
talvez, o seu momento mais fecundo, de maior criatividade e de importância no
cenário político institucional do nosso país. Sinto-me deveras honrado de ter
feito parte deste colegiado e de ter convivido com diversas composições e,
evidentemente, com a atual composição do STF. Agradeço a todos, meu muito
obrigado — afirmou. Barbosa ficou popular com o julgamento do mensalão, a ponto
de ser bem avaliado nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da
República. No entanto, os eleitores não poderão ver seu nome nas urnas em
outubro. Além de sua disposição de não concorrer, o prazo de
desincompatibilização de juízes com os cargos que ocupam venceu em 4 abril.
Quem não fez isso a tempo não pode se candidatar. — Ele teria que ter se
desincompatibilizado até 4 de abril. Parece que o cavalo passou encilhado e ele
não colocou o pé no estribo. Não dá mais. Agora, ele está inelegível — explicou
o ministro Marco Aurélio Mello. Amadurecida ao longo dos últimos anos, a ideia
de deixar o Supremo começou a tomar forma concreta em janeiro, durante viagem à
França e à Inglaterra, onde deu palestras e participou de eventos representando
o STF. — Essa decisão (tomei) naqueles 22 dias que tirei em janeiro, estive na
Grã-Bretanha e na França. Aquilo foi decisivo para minha decisão — explicou.
Nos últimos dias, Barbosa procurou ao menos três ministros para contar a
novidade — entre eles, Luiz Fux, o integrante do Supremo com quem tem maior
proximidade. Os outros não sabiam de nada. Marco Aurélio está no grupo dos
surpreendidos. — Não sabíamos de nada. Pelo menos, eu não tinha conhecimento de
que ele deixaria o tribunal. Pega de surpresa o Supremo, pelo menos um dos
integrantes, que sou eu — afirmou. Com a saída do relator do mensalão, o
processo será conduzido por outro ministro, a ser sorteado para a função assim
que Barbosa deixar a Corte oficialmente. Esse ministro ficará responsável pela
execução das penas dos 24 condenados. E tomará decisões referentes ao direito
ao trabalho externo de presos no regime semiaberto — benefício que Barbosa
negou recentemente a oito condenados, incluindo o ex-ministro da Casa Civil
José Dirceu.
Jornal Pequeno/O Globo
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