Trinta anos depois do acidente, famílias inteiras são
monitoradas pelo Centro de Assistência aos Radioacidentados
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Em 13 de setembro de 1987, os
catadores de lixo Roberto dos Santos e Wagner Mota encontraram nos escombros do
que era o Instituto Goiano de Radioterapia uma cápsula com césio 137. Tentaram
abri-la, pensando em vender o chumbo e os metais. Foi o que fizeram. No ferro-velho,
os funcionários se encantaram com o pó de brilho intenso. Parentes e amigos
passaram a visitar o local para ver a descoberta. Quem teve contato direto com
a substância adoeceu – e quatro morreram nas semanas seguintes.
Trinta anos depois, o acidente
radiológico continua presente para as 1.141 pessoas que ainda hoje são
monitoradas, segundo o Centro de Assistência aos Radioacidentados (Cara), da
Secretaria de Saúde de Goiás. São pessoas contaminadas por objetos que haviam
sido infectados pela substância, que estavam próximos dos focos de césio 137
ou, ainda, que trabalharam no caso, como policiais e bombeiros, profissionais
de saúde e garis, além dos filhos e netos.
Desde 1987, 95 pessoas que faziam
parte do grupo de monitorados morreram, segundo o Cara. Ainda de acordo com o
centro, análises realizadas não encontraram relação entre as causas das mortes
e o acidente radioativo. “Após vários estudos com os radioacidentados
concluímos que não houve grandes repercussões (em saúde), como casos de câncer,
ou seja, não houve mudança no padrão epidemiológico”, afirmou o atual
secretário de Saúde de Goiás, Leonardo Vilela, que em 1987 era estudante de
Medicina.
Entre os monitorados, 12 mortes
tiveram causas externas (arma ou trânsito) e em 11 não foi identificado o
motivo. As causas de morte mais recorrentes entre os monitorados foi doença
pulmonar (16), no aparelho circulatório (8), septicemia (8) e câncer (6).
Outras 16 pessoas desenvolveram diferentes tipos de câncer. Estudo realizado
pelo Cara não apontou, porém, relação entre o surgimento das doenças e a
radiação.
Não houve registros de doenças
genéticas nos filhos e netos relacionadas à radiação, segundo a Secretaria de
Saúde. O risco de abortos e más-formações, por exemplo, foi monitorado até 1989,
com foco na fase inicial do acidente, quando havia quatro gestantes expostas a
doses altas de radiação. “O monitoramento reprodutivo revelou a inexistência de
casos de abortamento espontâneo ou más-formações congênitas nas gestações em
curso, durante ou imediatamente após o acidente”, informou o Cara.
Na pele e na memória
A herança de dor, temor de doenças, perdas de parentes e amigos e ressentimento
“a gente nunca esquecerá”, afirma Odesson Alves Ferreira, de 62 anos, que teve
contato direto com o césio e traz na mão o sinal da queimadura radioativa, a
radiodermatite.
Motorista de ônibus na época do
acidente – e do aplicativo Uber atualmente –, Ferreira lista as perdas: de
imediato, morreram a cunhada e a sobrinha; poucos anos depois, dois irmãos e vários
amigos. Vítimas “reconhecidas (pelo governo) ou não”, conta. Também guarda na
memória os dias de isolamento e o período em que as pessoas culpavam umas às
outras.
Outra voz que insiste em não deixar
cair no esquecimento os problemas é Sueli Lina Moraes, presidente da Associação
das Vítimas do Césio 137, com 1,2 mil filiados. Até hoje moradora da região
mais afetada, o Setor Aeroporto, ela faz uma caminhada lenta entre as casas do
bairro, em busca de relatos de casos de câncer entre os moradores. Alguns
conviveram com aparelhos de medição radioativa em casa por mais de dez anos,
mas nunca foram entrevistadas sobre o estado de saúde.
Sueli escuta tudo e anota em um mapa
manuscrito há 13 anos. “A gente faz o que pode. Se fizeram alguma pesquisa
aqui, esqueceram de falar com toda essa gente”, ironiza. De vez em quando,
encaminha informações à Promotoria do Cidadão, que atuou em favor das vítimas.
Fazendo o percurso com Sueli, é possível encontrar outras vítimas não
reconhecidas, como a balconista Rosângela da Silva, de 49 anos, que perdeu a
mãe, Eurípedes Justina, e a irmã Maria Mercedes, ambas vítimas de câncer. A
irmã foi vítima de câncer de pulmão e a mãe, de linfoma.
A casa da família foi interditada na
época por causa da contaminação na região. Violada, a cápsula passou pela
calçada na rua onde moravam e seguiu para a quadra seguinte, onde o aparelho
foi aberto.
Há 13 anos, o “mapa” de Sueli tinha
18 portadores de algum tipo de câncer, moradores desde 1987 em ruas no entorno
da quadra mais atingida. “Hoje temos 22 casos só em duas destas ruas”, observa,
ciente de que nem todos os tipos da doença têm relação com a radiação.
Jornal de Brasília/Fonte: Estadão Conteúdo
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