O suicídio é a quarta maior causa
de morte de jovens entre 15 e 29 anos no Brasil. Os dados são do primeiro
boletim epidemiológico sobre suicídio, divulgado hoje (21), pelo Ministério da
Saúde, que mostram ainda que, em 2015, 65,6% dos óbitos nessa faixa etária
foram por causas externas: violências e acidentes. A divulgação faz parte das
ações do Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção ao suicídio.
O
oficial de justiça aposentado Ivo Oliveira Farias, perdeu a filha Ariele para o
suicídio em 2014, quando ela tinha 18 anos de idade. Ele superou o tabu e a
vergonha e hoje fala abertamente sobre o suicídio da filha e a importância da
prevenção. “As pessoas não se matam porque querem morrer, mas para acabar com a
dor, não para matar a vida. [Para eles], a única alternativa de parar de sofrer
é morrendo, elas querem acabar com a dor da depressão, do significado da
existência. Elas estão em uma situação da qual não encontram uma saída e aí
elas saem da vida como forma de resolver o problema”, disse.
Para
ele, é preciso falar cotidianamente sobre suicídio, “até na mesa do bar”.
“Aquela pessoa que está vivendo o drama, pode encontrar um caminho ali para
buscar uma ajuda. A gente tem que conversar com as pessoas. Quando uma pessoa
diz que quer se matar, a gente tem que acreditar. A maioria dá sinal, 9 em cada
10 dão sinal”, ressaltou.
Segundo
a psicóloga e coordenadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do
Suicídio, Karen Scavacini Karen, os sinais de alerta muitas vezes só fazem
sentido depois da morte e são muito complexos de serem observados e entendidos.
Entretanto, ela mostrou preocupação com o aumento do suicídio entre jovens.
Segundo Karen, é importante lembrar que o cérebro só termina de se formar aos
21 anos e que os jovens têm mais impulsividade, menor autocontrole e menor
consciência crítica.
“Temos
visto jovens que não têm tolerância à frustrações, fazendo alto uso de álcool
de drogas, jovens isolados”, disse ela, explicando que as redes sociais são
umas das causas desse isolamento e frustração. “Por mais que haja um contato
virtual, o contato significativo tem diminuído. E tudo que ele vê no Facebook e
na rede social, ele acha que é verdade e compara com a própria vida, porque nas
redes sociais todas as pessoas aparentam estar feliz sempre”, disse.
A
pressão com a carreira, a pressão em ser o melhor são preocupações que pesam
aos jovens, segundo Karen. “E um vazio existencial. O próprio sentido da vida
das pessoas”, ressaltou.
Fatores de risco
A
psicóloga Karen cita ainda a mídia e as séries de TV, como 13 Reasons Why, do canal
de streaming Netflix,
que, para ela, têm uma grande influência sobre os jovens. “Quando o jovem se
identifica com o personagem, aumenta o risco de contágio”, disse. Na série, a
personagem principal comete suicídio e tenta explicar as suas razões.
“A
série é muito boa em trazer esse assunto para a realidade das pessoas. No
geral, as pessoas acham que suicídio só acontece na casa do vizinho. O problema
é que a grande maioria dos jovens viu a série mas não teve como conversar
porque os pais não viram. Não teve um diálogo aberto sobre tudo que aconteceu
com a Hanna [personagem que cometeu suicídio]”, disse, argumentando que a
própria série, que trouxe à tona a discussão, poderia mostrar as saídas, os
caminhos para se receber ajuda.
Uma
outra questão que também influencia os jovens é a descoberta da
homossexualidade, quando eles assumem isso perante a família e a sociedade.
“Dependendo da maneira como a situação é tratada é um fator de risco para o
suicídio”, disse. “A decisão recente de que homossexualidade pode ser tratada,
pode aumentar esse fator de risco. É um retrocesso grande”, explicou.
Karen
explicou ainda que muitos transtornos mentais iniciam na adolescência e muitas
vezes é difícil para a família entender que o jovem precisa de ajuda
especializada e que não são só “sintomas” de adolescência. A demora em receber
o tratamento adequado, o tabu e o preconceito das pessoas em procurar o
psiquiatra e o psicólogo são problemas que precisam de atenção.
Para
ela, existe uma dificuldade de acesso a serviços de saúde, tanto para
tratamento de uso de substâncias, quanto para jovens com comportamentos
suicidas.
Além disso, é preciso um
tratamento mais humano pelos profissionais de saúde quando as pessoas conseguem
acessar esses serviços. “Tenho relatos de pessoas que foram maltratadas em
prontos-socorros ou pelo médico. E isso é uma coisa comum. Eles não têm a
formação em prevenção”, disse. “É preciso sensibilizar os profissionais que
eles estão lidando com dor, que o suicídio é a resposta a uma dor terrível que
a pessoa não conseguiu outra saída”.
Tentativas repetidas
Um
grande fator de risco para o suicídio são as tentativas anteriores. Segundo
Karen, os primeiros 30 dias depois da alta é o período de risco aumentado
porque não há uma continuidade no cuidado com essas pessoas. “O que levou uma
pessoa a tentar suicídio foi um sofrimento intenso e isso não vai embora. É
preciso continuidade em termos de tratamento psiquiátrico e psicológico para a
aceitação, para que não haja novas tentativas”, explicou.
Ela
ressaltou, entretanto, que quem tenta o suicídio não está fadado a repetir esse
comportamento, mas precisam de tratamento adequado.
Karen
contou que um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostrou
diminuição no risco de tentativas repetitivas de suicídio com o acompanhamento
telefônico das pessoas que tentaram suicídio após a alta hospitalar. “Isso
poderia ser feito por qualquer pessoa treinada. Eles apenas ligavam para saber
como o outro estava”, explicou. “O retorno para casa dessas tentativas é mais
difícil e precisa ser acompanhado para que a pessoa possa seguir caminhos mais
saudáveis”.
Sobreviventes enlutados
Os
sobreviventes enlutados, familiares ou amigos de pessoas que cometeram suicídio
também merecem atenção, segundo Karen. Ela coordena um grupo de apoio aos
enlutados pelo suicídio. “Há um julgamento muito grande e um julgamento
transferido, julga aquele que tenta o suicídio e, quando ele consegue, julga
quem fica porque não viu os sinais. É preciso olhar para quem perdeu alguém com
empatia”, disse.
O
aposentado Ivo Farias frequenta o grupo coordenado por Karen, além de outros.
“Você para de viver. Você luta para se manter vivo, a vida perde o significado
e, no meu caso, o significado é lutar por essa causa [de prevenção ao
suicídio]. A maioria fica no anonimato porque é julgado a todo instante pelas
pessoas a sua volta”, disse.
Ele
explicou que, mesmo que a pessoa saiba que não é culpada, ela se sente
responsável pela pessoa que se foi. “Sente uma certa incompetência porque não
conseguiu mantê-la vida. A grande maioria dos enlutados esconde”, explicou.
Para
Ivo, quando mais se falar em suicídio menos as pessoas vão ter receio em procurar
ajuda e pedir apoio. “Nós enlutados somos suicidas em potencial. No primeiro
ano [após a morte da filha], eu passava em viaduto e ficava pensando em me
jogar. É uma dor que não diminuiu. Ou você se fortace e busca uma alternativa
ou você definha e morre. Quando se fala abertamente, se consegue falar a
palavra, a gente consegue superar”, disse.
CVV
O
Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção do
suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e
precisam conversar, sob total sigilo, 24 horas todos os dias.
Ele
atende pelo número de telefone 141 ou diretamente no posto regional. Em cidades
sem posto de atendimento do CVV, as pessoas podem utilizar o atendimento
por chat, skype e e-maildisponíveis
na página do CVV .
Agência Brasil
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