Modesto Carvalhosa lidera movimento sem partido para "quebrar
revezamento de facções corruptas"
Campanha quase quixotesca quer correr por fora na intrincada disputa de
um eventual pós-Temer
O advogado Modesto Carvalhosa em seu escritório, em São Paulo. FERNANDO CAVALCANTI |
"Queremos mais Brasil, e menos Brasília", resume
Modesto Carvalhosa. Aos 85 anos, o advogado que se formou na área de direito
societário, militou na preservação do patrimônio histórico e acabou se
especializando no combate à corrupção encabeça um movimento que tem a pretensão
de governar o Brasil sem partidos políticos. Nascida do incômodo com a interminável crise política brasileira, a mobilização começa a partir de um influente mas pequeno
grupo de advogados de São Paulo, que pretendem expandir o clamor em torno de
uma "candidatura da sociedade civil" à presidência da República para
todo o país nos próximos meses.
A
candidatura de Carvalhosa é apresentada como opção para uma eleição indireta,
que só será realizada pelo Congresso Nacional caso Michel Temer não termine o
mandato, uma opção que o Planalto quer evitar a todo custo ainda no comando de
uma cambaleante coalizão que exibe lastro no Legislativo. O advogado, que
apesar da idade avançada apresenta uma vitalidade impressionante, se baseia no
Pacto de São José — mais precisamente no seu artigo 23 — para defender a
possibilidade de se candidatar sem ter filiação partidária. O pacto, fruto da
Comissão Americana de Direitos Humanos (1969), prevê que "a lei pode
regular o exercício dos direitos e oportunidades [de votar e ser eleito]
exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma,
instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em
processo penal".
Como não há previsão de limite por conta de situação partidária no pacto
internacional, não haveria impedimento para uma candidatura "civil",
avaliam os apoiadores de Carvalhosa, apesar de a legislação eleitoral
brasileira dizer que "para concorrer às eleições, o candidato deverá (...)
estar com a filiação deferida pelo partido no mínimo seis meses antes da data
da eleição". Independentemente da viabilidade da tal candidatura civil —
que depende da queda do presidente — Carvalhosa enxerga no movimento uma forma
de abrir perspectivas para o país, cujos partidos e políticos perderam seja lá
o que ainda tinham de admirável após a Operação Lava Jato.
"A
decisão do Tribunal Superior Eleitoral [que absolveu a chapa
Dilma-Temer] não melhora a estabilidade do Temer. Ela aprofunda sua
ilegitimidade", avalia Carvalhosa, que enxerga o Judiciário arrastado para
uma crise que já reunia o Executivo, o Legislativo e o Ministério Público,
ferido pela forma como o acordo de delação da
JBS foi fechado — a
cúpula da empresa ganhou perdão judicial mesmo após confessar crimes. "É
preciso restabelecer a honra do país, que está afetada em todos seus segmentos
institucionais, e a autoestima da população, que está humilhada." Para o
advogado, só "gente de fora" pode "quebrar esse revezamento de
facções corruptas que se sucedem".
Propostas
A proposta, que soa
quase quixotesca na intrincada crise política com tantos interesses na mesa, é
baseada, diz ele, numa avaliação de cenário internacional. Emmanuel Macron se
elegeu na França por um partido criado meses antes da eleição, desbancando
as legendas tradicionais. Nos Estados Unidos, Donald
Trumpse impôs como outsider ao Partido
Republicano. Carvalhosa defende que a sociedade civil brasileira tem nomes para
assumir o país, "três ou quatro de alto nível para cada cargo", e sua
candidatura já teria inclusive o apoio de renomados economistas e políticos,
entre eles ex-ministros, mas que ainda não se sentem confortáveis para expor
seus nomes.
Por enquanto, os
nomes de maior vulto são os de Hélio Bicudo, um dos signatários do pedido de
impeachment de Dilma Rousseff, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias e o
ex-ministro do Superior Tribunal Militar Flávio Bierrenbach. Os defensores de
sua candidatura, que têm se articulado em busca de apoio para divulgar a ideia,
também esperam o engajamento de movimentos como o Vem pra Rua, entre outros
surgidos durante o período de ocaso do Governo
Dilma Rousseff.
Além de escantear
os partidos políticos, o movimento em torno de Carvalhosa se estrutura em cima
de bases como a diminuição de cargos de confiança para no máximo 100 (hoje são
cerca de 100.000) e reformas política e da administração pública, por meio de uma
constituinte. O advogado defende o teto para limite de gastos e a reforma
trabalhista, mas acha que a reforma previdenciária tem de voltar a seu leito
inicial, para afetar estados e municípios, "mas não com aquela aberração
de que você tem de trabalhar 450 anos para ter um salário mínimo". "A
ideia é restaurar a confiabilidade do Governo e recuperar o papel do chefe de
Estado", sintetiza.
Militância
O homem que hoje
pleiteia liderar a sociedade civil contra um mundo político-partidário em crise
começou a atuar como advogado em 1958, no ramo do direito societário. Na década
de 1970, liderou um movimento para impedir a destruição do edifício histórico
do Colégio Caetano de Campos, em São Paulo. A partir de então, se engajou na
defesa do patrimônio histórico, e presidiu o Condephaat (Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo) de 1984
a 1987. O tema da corrupção entraria em sua vida na década seguinte, quando
participou de uma comissão especial do Governo Itamar Franco para verificar as
ramificações do escândalo dos Anões do Orçamento, sobre fraudes no Orçamento da
União.
O advogado conta
que trabalhou durante todo o ano de 1994 "dentro do Palácio do
Planalto", de onde tirou a inspiração para seu Livro
negro da corrupção (Paz e Terra), agraciado com o Prêmio Jabuti. Uma das conclusões
daquela comissão de notáveis foi de que deveria haver uma quebra das relações
entre o agente público e o contratante da obra, o que ocorreria por meio da
implantação de um sistema chamado performance
bond, "Se isso tivesse sido adotado em 1994, talvez nós tivéssemos um
novo quadro no setor de obras públicas." Mas nada daquele diagnóstico foi
aplicado — o que Carvalhosa põe na conta do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Desde então, o
advogado diz que houve uma evolução na organização da corrupção no país sob o
PT, ainda que as delações premiadas apontem para um azeitado esquema de desvios
funcionando bem antes de 2003. "Havia na tradição corruptiva brasileira a
questão de sempre dar 10% do valor das obras para os políticos e altos
funcionários, mas não era uma coisa organizada. O que ocorreu no governo
petista foi a organização do crime da corrupção", critica um bem humorado
senhor de cabelos e bigodes brancos em seu escritório no bairro de Pinheiros,
em São Paulo. Carvalhosa recebeu o El PAÍS na tarde de sexta-feira em que o TSE
absolveu a chapa Dilma-Temer. No dia anterior, tinha ido dar uma entrevista — das
muitas que tem concedido — no Rio de Janeiro. Na semana seguinte, iria para
Brasília.
A disposição
preocupa a esposa, Claudia Correa, mas Carvalhosa não demonstra cansaço. E está
atento a tudo, questiona a toda hora sobre o andamento do julgamento do TSE.
Algum político o agrada? "[A deputada federal Luiza] Erundina é a mulher
mais correta que eu já conheci na minha vida em matéria de política",
responde. Carvalhosa trabalhou com a então prefeita de São Paulo entre 1989 e
1993. Ele conta que, à época, "o Tribunal de Contas do Município era
dominado pelos malufistas, que reprovavam as contas dela, como se fosse uma
criminosa". O advogado trabalhou na defesa da hoje deputada do PSOL,
"uma exceção em matéria de integridade", mas que teria perdido o
rumo.
Carvalhosa também
poupa o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) e o ex-senador Pedro Simon. E
enxerga com bons olhos uma possível candidatura do ex-ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Joaquim Barbosa, "um doido do bem, uma
metralhadora giratória". Talvez a mesma descrição, feita de forma
carinhosa pelo advogado, coubesse ao próprio Carvalhosa, que, assim como
Barbosa, não tem poupado quase ninguém em suas entrevistas e, aos 85 anos, se
dispõe a liderar a abertura de novas perspectivas para um país que não parece
capaz de encontrar saídas no mundo político-partidário.
El País
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