Apesar
da retomada à rotina, clima no bairro ainda é de medo
Quiteria Noronha critica falta de segurança na Tijuca - Fabio Guimaraes / Agência O Globo |
RIO - A aposentada Quitéria Noronha, de
67 anos, saiu com dois cachorros para passear pelas ruas da Tijuca e, quando
chegou à portaria de seu prédio, foi avisada que todo o comércio do Largo da
Segunda-Feira estava fechado, em plena manhã de quinta-feira. Retornou para
casa, onde permaneceu o dia inteiro trancada, apavorada. Uma outra moradora,
Kátia Lemos, de 52 anos, também ficou “exilada” dentro de seu apartamento — e
pior, sem nada para beber, já que a loja onde costuma pedir garrafões de água
mineral arriou a porta. Já a produtora Karolina Ávila, de 40 anos, ia a um
salão de beleza quando sua manicure lhe informou, por uma mensagem de celular,
que o estabelecimento encerrou o expediente mais cedo por ordem de traficantes.
Ela ainda arriscou uma caminhada da Rua Haddock Lobo em direção à Praça Saens
Peña, mas ficou com medo ao se sentir “num deserto”.
ROTINA RETOMADA, MAS SEM PAZ
As lojas reabriram nesta quinta-feira,
após 24 horas de luto imposto por bandidos do Morro do Turano. Motociclistas
haviam saído em grupos da comunidade para ordenar o fechamento do comércio em
homenagem ao traficante Gilson Baixinho, morto durante uma operação do Batalhão
de Operações Especiais (Bope). A rotina foi retomada; mas a tranquilidade, não.
Enquanto comerciantes reclamavam do prejuízo de um dia sem vendas, moradores
manifestavam a saudade dos “bons tempos”, numa referência ao período em que as
Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) da região contribuíam para uma redução
nos índices de criminalidade.
—
A quinta-feira foi horrível. A sensação era de humilhação. Voltamos aos anos
1990, quando bandidos mandavam fechar tudo e pronto. Hoje não adianta procurar
a PM: quando há um policial dentro da cabine, ele diz que não pode sair —
reclamou Quitéria Noronha, apontando para a estrutura blindada vazia que está
instalada na esquina das ruas São Francisco Xavier e Conde de Bonfim.
Apesar
de todas as lojas estarem abertas, as palavras “insegurança”, “medo” e
“absurdo” eram ditas e ouvidas em profusão nas rodinhas de conversa que se
formavam nas calçadas. Um comerciante, que pediu para não ser identificado, recordou
os recentes momentos de tensão:
—
Eu e meu irmão ouvimos o aviso dos motociclistas do Turano pela manhã.
Relutamos em fechar nossa loja, mas chegou uma hora em que até o supermercado
Mundial (do Largo da Segunda-Feira) parou de funcionar. Aí, não teve jeito.
Trancamos a porta e fomos embora. As ruas estavam mesmo um deserto.
Uma
dona de casa, que também pediu anonimato, reclamou do policiamento no dia
seguinte ao luto forçado:
—
A impressão de que estamos abandonados é forte. Mas sejamos sinceros: isso é na
cidade inteira. Estamos largados à própria sorte.
Uma
equipe do GLOBO circulou pelas ruas Conde de Bonfim e Haddock Lobo por volta
das 11h30m e, no percurso, não viu PMs a pé ou em veículos.
MAIOR
NÚMERO DE ASSALTOS
Os
últimos dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que,
numa comparação do mês passado com março de 2016, houve um aumento de 37% nos
registros de roubos a pedestres na área que abrange a Cidade Nova, a Praça da
Bandeira e a Tijuca. Já os assaltos a estabelecimentos comerciais subiram 30%.
Apesar disso, a Polícia Militar afirmou, em uma nota, que a região conta com
patrulhamento feito com rondas em viaturas e com equipes distribuídas de acordo
com a mancha criminal. Ainda segundo a PM, o policiamento foi ostensivo, ontem,
na Tijuca e nos bairros vizinhos.
O
presidente da Associação Comercial e Industrial da Tijuca, Jaime Miranda,
destacou que todos os estabelecimentos situados entre o Largo da Segunda-Feira
e a Avenida Paulo de Frontin ficaram fechados ao longo da quinta-feira. Para
ele, a crise financeira do estado vem afetando muito a segurança da região:
—
A Tijuca, anos atrás, tinha um estigma de bairro violento. Infelizmente,
estamos retornando àquele tempo. Os moradores voltaram a ter medo de sair à
noite, a quantidade de assaltos vem crescendo. A polícia faz o que pode, mas o
cobertor é curto.
O Globo
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