O presidente do Centro
da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), Wilson Périco, criticou o governo
federal, que, segundo o dirigente, precisa rever a sua política econômica em
relação à Zona Franca de Manaus (ZFM). "A começar pelo boicote articulado
por interesses políticos para protelar a liberação do Processo Produtivo Básico
(PPB). O prazo chega a superar quatro anos de espera, afeta o aporte de novos
investimentos à região e fica por isso mesmo", disse.
Em artigo publicado no jornal Correio Braziliense, nesta
segunda-feira (20), Périco diz que "a maior parte, quase 55% dos
resultados alcançados pelos benefícios fiscais, volta para os cofres da União.
De tudo que é produzido pelas empresas da ZFM, a fatia do leão é destinada ao
governo". "Pressionado para repensar seu modelo, Manaus comparece com
quase 60% dos impostos recolhidos pela União na Região Norte", afirmou.
Leia o artigo na íntegra:
A
cantilena do "é preciso repensar a Zona Franca de Manaus" não dá
refresco nem trégua, apenas muda cores, humores e abordagens. A começar pelo
boicote articulado por interesses políticos para protelar a liberação do
Processo Produtivo Básico (PPB). O prazo chega a superar quatro anos de espera,
afeta o aporte de novos investimentos à região e fica por isso mesmo. Boicote
semelhante acontece na distribuição dos recursos de P&D, recolhidos pelas
empresas da Zona Franca de Manaus no setor de informática. Um boicote sombrio,
de servidores de terceiro escalão, que se consideram mais reais do que o rei e
mais legais do que a lei. Mais de R$ 120 milhões que seriam destinados a
projetos de inovação em biotecnologia e tecnologia da informação foram para uma
atividade totalmente alheia ao desenvolvimento da região: o agronegócio.
Não
há custeio público na ZFM. Há renúncia, em que o governo deixa escapar por um
lado sua compulsão arrecadatória, e ganha por outro, fazendo dela medida
compensatória aos próprios cofres, numa operação fácil e tecnicamente
demonstrável. A maior parte, quase 55% dos resultados alcançados pelos
benefícios fiscais, volta para os cofres da União. De tudo que é produzido
pelas empresas da ZFM, a fatia do leão é destinada ao governo. Em pesquisa feita
pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA) - na
qual a defesa da manutenção da floresta em pé é um axioma indiscutível e
bandeira inegociável -, foram analisados os efeitos que os incentivos fiscais
concedidos a indústrias instaladas na região têm na distribuição de riquezas
entre funcionários, proprietários e governo.
Segundo
dados obtidos pelo pesquisador Jorge de Souza Bispo, autor da tese
"Criação e distribuição de riqueza pela Zona Franca de Manaus", de
toda a riqueza produzida por indústrias da ZFM, 54,42% vão para o governo;
27,28% são distribuídos entre os empregados; e apenas 1,82% fica com os
empresários. Em compensação, no restante do país o governo recebe 41,54% de
toda a produção, os empregados ficam com 36,31% e os empresários, com 6,44%.
Para o autor, foi uma conclusão surpreendente, pois mesmo com os incentivos
fiscais, as empresas locais geram, em média, 31% de riqueza sobre o
faturamento, enquanto as outras criam aproximadamente 50%.
Pressionado
para repensar seu modelo, Manaus comparece com quase 60% dos impostos
recolhidos pela União na Região Norte. E o Amazonas é um dos oito estados da
Federação que mais recolhem do que recebem recursos. A exportação de recursos
para a União somou, em 2012, R$ 8,958 bilhões; no caminho de volta, o total foi
de apenas R$ 2,535 bilhões, uma informação que escapa aos desafetos da ZFM. A
rigor, a renúncia fiscal real seria de apenas R$ 6 bilhões.
A
ZFM não beneficia só o Amazonas, mas o Brasil, os brasileiros que consomem os
produtos fabricados aqui. Portanto, é preciso rever o discurso raivoso da
renúncia e olhar de outro prisma a paranoia da prorrogação. E se as empresas
aqui instaladas, comprovadamente, arrecadam menos que em outros arranjos
industriais do país, elas patrocinam duas vezes o orçamento da Universidade do
Estado do Amazonas, no fundo criado para sua manutenção, pagam os programas
regionais de pesquisa e desenvolvimento e os fundos estaduais de turismo e
fomento municipal, que permitiram, por exemplo, financiar os projetos de
cadeias produtivas no interior. São mais de R$ 2,3 bilhões de investimentos,
entre P&D, universidade, turismo e programas de agroindústria para a
população ribeirinha.
Com
98% de sua floresta original conservados, é mais barato prorrogar a ZFM e
agregar infraestrutura e recursos de P&D para criar outras matrizes
econômicas, adensar, diversificar e interiorizar alternativas, coerentes com a
biodiversidade, aquicultura, polo gás químico. O contraponto é devastar as
matas, ou entregar a região ao narcotráfico, ou, quem sabe, financiar
megaestrutura militar para vigiar as fronteiras e proteger seu patrimônio
genético.
O
Amazonas convida o Brasil a conhecer suas matas, sua história, os pioneiros que
recriaram a economia com a queda do ciclo da borracha e apostaram na
viabilidade de suas utopias. Conhecer 60% do país, ou seja, nossa fantástica
floresta, a Amazônia, que o Brasil, a maioria dos brasileiros, desconhece. Está
na Constituição brasileira: existimos para guardar essa floresta, na qual brota
um quinto de todos os seres vivos do planeta. Um patrimônio cobiçado por toda a
humanidade, que o Brasil precisa olhar com inteligência e sabedoria, para
produzir remédios, cosméticos, alimentos e energia limpa, sem destruir as
matas. Assim, somos obrigados a concordar: é hora de repensar o modelo ZFM.
Brasil 247
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