Na última semana, o Correio acompanhou a rotina da prostituição em quatro das 12 cidades sedes da Copa do Mundo. Em muitas delas, o poder público até tentou disfarçar e retirou as garotas de programa dos pontos habituais, mas o mercado do sexo também tem prosperado nesses dias de Mundial. Mantidos bem longe das suntuosas arenas erguidas para o espetáculo do futebol, homens, mulheres, travestis e transexuais enfrentam as dificuldades do idioma decorando frases e usando mímicas e até sonham em ir embora com visitantes do hemisfério norte. Para alguns, a Copa não alterou a dureza da labuta noturna. “Está a mesma coisa”, foi a resposta mais frequente ouvida pela reportagem em Brasília. Outros tentam tirar proveito: “Tinha quem cobrasse o valor de um ingresso da Copa. Agora, voltamos ao normal”, contou uma travesti de Fortaleza.As experientes do porto
Manaus - Em hotéis baratos, nos quais o termo pernoite faz muito mais sentido do que diária, se constrói boa parte do cenário da prostituição na capital do Amazonas durante a Copa do Mundo. No centro de Manaus, as mulheres sumiram das ruas vigiadas pelas forças de segurança. Dividiram-se, então, em três grupos. As mais jovens passaram a atender marcando horário pela internet. As mais experientes acabaram exiladas perto do porto local. A maioria delas, porém, se dispersou por ruas mal-iluminadas e bordéis distantes. Tal divisão geográfica se reflete nos rendimentos. Para aquelas que apostam em fotos produzidas para a web, o “cachê” parte de R$ 250 por noite — com adicionais a depender do serviço. O valor, normalmente, fica mais barato quando o Rio Negro se aproxima.
A caminho do porto, “half hour is fifty reais”: 30 minutos, R$ 50. O turista leva no pacote “o mais tradicional mesmo”. Com um alerta irredutível. “Half hour plus one minute is hundred reais”, decoram para repetir a cada potencial cliente. Se o tempo não as perdoa, não há motivo para tratá-lo com alguma consideração. Depois das 19h, na região portuária, parece impossível encontrar uma mulher com menos de 30 anos. Quase todas estão longe da melhor forma física, apostam em algum detalhe loiro nos cabelos — “do jeito que o gringo gosta”, dizem — e dispensam a boa educação quando se deparam com turistas brasileiros. Afinal, mesmo ali, alguns sonhos permanecem vivos: ser levada para a Europa ainda é meta da maioria. Na missão de “arrumar um gringo para cuidar” enquanto lutam “pela Copa do 13º (salário) adiantado”, se comunicam como podem. Com mímica, descontos e, dependendo do sorriso e da falta de aliança do outro lado, até apostam no serviço gratuito. “Começa assim a fidelidade”, explica uma amapaense de 32 anos que deixou o marido para colocar todas as fichas no sonho do Velho Continente via Copa do Mundo. E que, hoje, faz planos para julho: arrumar emprego “de garçonete ou alguma coisa assim aqui em Manaus” para não ter de voltar para casa.
Trabalho reprimido na orla
Fortaleza — Depois de receber, ontem, o terceiro jogo da Copa do Mundo, a capital do Ceará comemora antecipadamente os ganhos financeiros. A realidade se espelha nas casas noturnas. Donos de boates que exploram o turismo sexual comemoram “o melhor mês da história”. Para as prostitutas nas ruas, porém, as condições não são tão agradáveis. Setecentos agentes públicos se dividem em esquema de plantão para combater a prostituição. Tão logo começou o torneio, o foco se tornou “limpar” a orla da cidade. O desânimo é comum para quem não está nos bordéis à espera de algum dos 400 mil visitantes previstos. Afastadas da Avenida Beira-Mar, onde estão os principais hotéis, a maioria das mulheres reclama de prejuízo.
O preço do programa começou inflacionado, mas teve de diminuir. “Tinha quem cobrasse o valor de um ingresso da Copa. Agora, voltamos ao normal”, conta uma travesti de 21 anos e 1,83m que, “por segurança”, tomou para si a luz de um poste da Praia de Iracema. Enquanto o “babado” custa ao menos R$ 200 em Iracema, há quem cobre 10% disso em abordagens longe da orla. Em bairros mais afastados, jovens do interior se oferecem por qualquer preço, muitas delas desesperadas para alimentar a família. Na madrugada, perto de baladas e restaurantes, estão os filhos da classe média e alta.
“Tenho um aluguel para pagar e não quero passar a vida dependente do meu pai”, explica uma estudante de administração que, aos 22 anos, pretende abandonar a carreira “em 2016, no máximo”. Nem mesmo o fato de 96 das 241 rotas identificadas de tráfico de seres humanos no Brasil passarem por Fortaleza parece afugentar quem luta pela sobrevivência em lugares inusitados, em pé, até mesmo em frente à Arquidiocese de Fortaleza, a 5km do litoral. Quando o comércio local começa a fechar, as garotas agem com maior desenvoltura. Sem tabela predefinida, oferecem desconto e até recusam programas antes de encontrar o “cliente certo”.
O Imparcial
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