Médica Ramona Matos Rodriguez |
Alegando ter sido
enganada pelo programa Mais Médicos, do governo federal, a médica cubana Ramona
Matos Rodriguez, 51 anos, abandonou no dia 1º de fevereiro o seu posto de
trabalho no município de Pacajá, no sudoeste paraense, para se refugiar em
Brasília. Sob a proteção do partido de oposição do governo, o Democratas, a
médica deflagrou ao longo da última semana uma série de acusações ao Mais
Médicos, sobretudo em relação ao pacto firmado entre os governos brasileiro e
cubano, que paga de forma desigual
os profissionais do País caribenho.
Segundo ela, enquanto os
médicos de outras nacionalidades recebem pelo programa R$ 10 mil, os cubanos só
recebem US$ 400. Outros US$ 600 são depositados em contas de Cuba para serem
entregues aos médicos somente após o término do contrato. A indignação da
médica também vale para as condições de trabalho encontradas em Pacajá, cujo
índice de desenvolvimento humano (IDH) do município é o 18º mais baixo do
Estado e o 84º do Brasil.
Em entrevista exclusiva
ao repórter Thiago Vilarins, da sucursal do O Liberal em Brasília, ela descreve
as dificuldades de trabalho que presenciou, rebate os ataques pessoais que
passou a sofrer após desertar e os passos que deve tomar agora que está “livre”
na capital federal – o Comitê Nacional Para Refugiados (Conare), do Ministério
da Justiça, concedeu 180 dias de permissão para Ramona ficar no Brasil sem
visto definitivo, podendo ser renovado, até que o pedido de refúgio seja
julgado. Confira a entrevista:
Quando a senhora
associa o Programa Mais Médicos a exploração do trabalho análogo à escravidão,
a senhora está se referindo somente ao valor pago pelo governo federal ou
também as condições de trabalho no município de Pacajá?
Em Pacajá, o trabalho
era normal. Nós trabalhávamos de segunda à sexta-feira, das oito da manhã até
às cinco da tarde. Os sábados e domingos eram livres. Nós ficávamos sempre em
casa, pelo menos eu. Eu tinha um controle, uma supervisão. Por exemplo, se eu
precisasse ir a algum lugar, eu precisaria comunicar às autoridades, aos meus
chefes. Mas nunca precisei de uma autorização, porque eu nunca saí do
município. Se fui em algum lugar, foi em 31 de Dezembro, quando eu passei a
virada de ano com uma família. Mas eles me buscaram, eu comi na casa deles e no
dia primeiro já estava na minha casa. Isso foi em uma fazenda ali próximo, sem
necessidade alguma de autorização. Agora, se eu precisasse ir a Belém, a
Brasília, aí sim precisaria de permissão, que ficava na capital do Estado. Isso
era regra para todos os seis cubanos que foram para Pacajá.
Qual era a
situação da saúde da população quando a senhora chegou ao município? E como é a
estrutura de trabalho?
As condições de saúde da
população eram péssimas e não tem como negar que melhoraram muito com o
trabalho dos médicos cubanos. Isso é certo. Eu trabalhava em um posto de saúde,
atendendo entre 30 e 40 pacientes diários. Tinham dias que eram mais de 50
pacientes. As doenças mais comuns eram parasitismo intestinal por áscaris
lumbricóides (lombrigas), em razão de tomarem água suja, da pia, diabetes…
doenças relacionadas a pobreza do local. E muitas consultas médicas se resumiam
a uma apuração, uma sutura, uma triagem, praticamente, porque o posto médico
não oferecia uma infraestrutura para resolver os problema mais sérios. Nesse
caso, os pacientes eram encaminhados para os hospitais, que também eram
carentes em infraestrutura. Por exemplo, não haviam aparelhos de ultrassom.
Faltava muita coisa, então tínhamos que direcionar para os hospitais de outras
cidades, como Marabá e Belém. E esse sentimento é generalizado. Não só em
Pacajá, mas nas outras cidades atendidas pelo Mais Médicos. Se disserem que é
mentira, estão mentindo.
Os outros médicos
cubanos de Pacajá também reclamam dessa falta de estrutura e dos valores pagos
pelo governo federal?
Nunca me falaram nada.
Nunca ouvi nada. Mas não duvido que outros médicos também possam ter a mesma
reação que eu tive.
Como era a sua
relação com os seus companheiros médicos em Pacajá?
Não era boa, porque eles
sempre queriam que eu fizesse o que eles queriam. Havia um pouco de dificuldade
na relação entre eles e eu. Porém, isso não tem nada a ver com o meu problema.
Eu não vou falar sobre a minha relação interpessoal com eles. Eu não falo nada
deles, mas sempre vou defender os médicos cubanos. Porém, essa é uma verdade,
nós não tínhamos uma boa relação, eu não me sentia bem com eles.
Por que, em vez
de recorrer a ajuda política em Brasília, a senhora não buscou apoio de algum
político do Estado?
Eu não podia. O programa
Mais Médicos está pactuado entre os governos brasileiro e cubano. Se eu falasse
disso com outro político, que não me acatasse, eu seria deportada
imediatamente.
E como era sua
relação o prefeito e o secretário de saúde de Pacajá?
Sim, era muito boa. Eles
eram muito bons comigo.
Então, o que
justifica os ataques pessoais que a senhora tem sofrido recentemente? O
deputado Zé Geraldo (PT-PA) disse que a senhora “foi tarde” e a acusou de
trabalhar embriagada e de levar homens para a sua casa, com base em uma nota do
presidente do conselho municipal de saúde.
Tudo isso são mentiras.
Eu jamais bebi, eu não bebo. Dizem que eu fumo, sim, eu fumo, porém eu não
bebo. Nunca conheci nenhum homem em Pacajá. Jamais. Eu nunca tive nenhuma
relação com ninguém em Pacajá. Podem investigar e não vão encontrar nada. Se
investigarem vão aumentar a minha moral. Nunca bebi e não tive nenhum
homem em Pacajá. E nem teria como eu conhecer. Primeiro, porque não conhecia
nada, ninguém. E segundo, porque vivia em minha casa como outras médicas, que
não permitiriam isso. Eu creio que essa é uma forma de me desmoralizar e
desviar a atenção para o grande problema que eu apontei: do desvio do dinheiro
dos médicos cubanos. A intenção é de me desmoralizar para a atenção pública não
me dar créditos pelo que eu apontei. Isso é o que eu creio. Me acusam agora,
mas não há um relato do meu comportamento, uma advertência, nada que julgue o
meu trabalho.
O que a senhora
pensa em fazer diante dessas acusações? A senhora pensa em processá-los?
Por que não? Se eles me
atacam, dizem que eu bebia e que eu levava homens para casa, vão ter que
provar.
Apesar de receber
moradia e alimentação do programa Mais Médicos, a senhora alega que 400 dólares
é muito pouco para viver no município de Pacajá. Quais eram os seus outros
gastos?
Todo mundo me pergunta
isso, mas repito que isso não interessa a ninguém. Eu não falo em gastos, eu
falo sobre o que tem que se pagar e não é correspondido. Em nada interessam os
gastos. Se eu uso os meus 400 dólares para comprar uma roupa, é porque esse
dinheiro é para o que eu quiser fazer. Não interessa a ninguém. O importante é
que eram 400 dólares, que pelo câmbio brasileiro dava em torno de 900 reais e
que não eram correspondentes com o valor pago aos médicos de outras nacionalidades.
O importante é que o salário que deveriam me pagar era o mesmo dos médicos dos
outros Países. Por isso que eu me inconformei. E só descobri isso aqui em
Brasília, quando cheguei no Brasil e conversei com os outros médicos.
Nos últimos dias
também argumentaram que a senhora tem um namorado nos Estados Unidos e que
estava tentando viajar para encontrá-lo. O que a senhora tem a dizer sobre essa
notícia?
É isto mesmo. O que
acontece é que a palavra “enamorado” em Cuba significa uma coisa e no Brasil
significa outra coisa. No Brasil significa alguém que você tem um
relacionamento íntimo: um marido, uma pessoa com quem você dorme junto, tem
suas relações sexuais. Agora, “enamorado” em espanhol significa, por exemplo,
você sentir amor por uma pessoa, alguém querido, porém, não é nada físico, nada
carnal. Isso é estar enamorado. Você passar por alguém e dizer “que pessoa
bonita, estou enamorado dessa pessoa”. Isso é o significado de enamorar. E essa
pessoa, é um amigo íntimo de anos. Que me havia me dado sua casa e seu apoio
caso eu fugisse, caso fosse para os Estados Unidos. Porque eu disse a ele “vou
desertar”. Vou desertar porque eu não me sinto bem, porque eu sinto que não me
pagam o que os outros recebem, porque eu quero ser livre. E esse amigo disse
que não tinha nenhum problema e que iria me apoiar. Por isso eu solicitei na
Embaixada dos Estados Unidos o visto e o coloquei como meu amigo. Não é meu
noivo, não é meu marido, ele é meu amigo. Ou seja, eu o coloquei como a pessoa
que me pudesse me dar ajuda em caso eu fosse para os Estados Unidos.
A existência
dessa pessoa deixa a entender que a senhora usou o Brasil como estratégia para
ir para os Estados unidos.
Sim, eu entendo essa
interpretação. Essa linha de raciocínio. Porém, está errada, por isso faço
questão de desmenti-la. Eu não tenho problema nenhum de viver no Brasil. Não
faço questão de ir para os Estados Unidos. Eu quero a minha liberdade. Tenho
agora a minha carteira de trabalho, posso trabalhar. E eu tenho a concessão do
CONARE para viver livre aqui. Se eu fui na Embaixada dos Estados Unidos, foi
porque lá foi a primeira opção que eu tive para o meu refúgio, para me sentir
protegida. Isso porque eu tenho que trabalhar, tenho que me manter para viver.
Para a senhora, o
Programa Mais Médicos é uma farsa?
De forma alguma. É um
programa precioso. Importante, porque leva os médicos aos lugares mais pobres
do Brasil. Incentiva e valoriza a saúde pública, porém é um programa que não
valoriza o médico cubano. Eles têm a mesma importância dos médicos
intercambistas de outros países. O salário dos médicos cubanos deve ser igual
ao salário dos outros médicos. Nós estamos trabalhando duro por este País e
creio que é justo que todos sejam iguais. Nós somos tão profissionais quanto
são os outros médicos.
O Impacto/Portal ORM
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